quarta-feira, 30 de setembro de 2020

AS BALAS

São de ferro. Ou de aço?

Diz-se que fazem à entrada

um pequeno orifício,

seguido de uma grande

devastação de carnes

sangrentas. Por isso matam.

Li tudo sobre a morte.

Escrevi sobre a minha

e depois embebedei-me.

A bala vem pelo ar

(ruído onomatopaico) e

crava-se, cava, ceva-se

nessas carnes. Era a minha.

Tive uma bala marcada:

à última hora telefonei

a desistir. ‘da-se!

Pior para o Soares que entra

nestes versos já morto.

São de ferro. A tua era,

ó Soares, ou de aço,

e «agora choro contigo»

ausente uma vila

branca do Alentejo: tu.

 

Diz-se que fazem assim

um pequeníssimo estúpido

orifício (não quis ver)

como um botão mas

destroem tudo, devastam

tecidos, vísceras nobres,

e então trazem até nós

a morte sanguinolenta.

Se ainda as fabricam

como no meu tempo, creio

que matam num, ah pois,

infinitésimo de segundo.

É brutal. Eu ouvi-as:

perde-se a tesão por um século. 

Fernando Assis Pacheco em A Musa Irregular

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