Lembrava-se dele
e, por amor, ainda que pensasse
em serpente, diria apenas arabesco; e esconderia
na saia a mordedura quente, a ferida, a marca
de todos os enganos, faria quase tudo
por amor: daria o
sono e o sangue, a casa e a alegria,
e guardaria calados os fantasmas do medo, que são
os donos das maiores verdades. Já de outra vez mentira
e por amor haveria
de sentar-se à mesa dele
e negar que o amava, porque amá-lo era um engano
ainda maior do que mentir-lhe. E, por amor, punha-se
a desenhar o tempo
como uma linha tonta, sempre
a cair da folha, a prolongar o desencontro.
E fazia estrelas, ainda que pensasse em cruzes;
arabescos, ainda que só se lembrasse de serpentes.
Maria do Rosário Pedreira em PoesiaReunida
3 comentários:
Não sendo eu um conhecedor nem um grande apreciador de poesia, não posso deixar de salientar que a Maria do Rosário Pedreira me parece ser uma excelente poetisa!
E estou-lhe muito grato porque todos os dias nos presenteia, no excelente blogue Horas Extraordinárias, com os seus vastos conhecimentos de literatura (e são igualmente muito interessantes os comentadores que o frequentam).
Nos anos 60, «formei-me» em poesia portuguesa com os excelentes volumes da colecção «Poetas de Hoje», editados pela Portugália Editora. A Maria do Rosário Pedreira, pela minha parte, é uma descoberta tardia. Mas quando li o primeiro poema não mais a larguei. Se o Seve, poéticamente, pretender conhecê-la melhor, tem um livro editado em 2013 pela Quetzal, «Poesia Reunida» em que está lá tudo.
Obrigado pela sugestão, Sammy.
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