Para assinalar os 10
anos do CAIS DO OLHAR, os fins-de-semana estão guardados para lembrar
alguns textos que por aqui foram sendo publicados.
NA VIDA NÃO TENHO NADA DE MEU
Um atento leitor de Cesare Pavese sabe
que A
Praia será o menos político dos romances de Pavese.
A observação deixou-a, também, Pedro Mexia, no Expresso,
quando em 2011 a Ulisseia reeditou A Praia.
Pavese resume A Praia como um relato da
amizade de dois rapazes que uma mulher, casada com um deles, ao mesmo tempo une
e separa.
Aparentemente nada acontece.
Quando o tempo de Verão era outro, tão lento, no devagar
depressa dos tempos, para citar Guimarães Rosa: bebidas, bailes, jogos na
praia, paixões de Verão, que as mães diziam que ficavam enterrados na areia,
pores-de-sol, ambientes, sensações, estados de espírito, melancolias, situações
de que a maior parte não se conseguem entender mas que gostamos de olhar e
sentir, as aparências que revelam mais do que iludem, o carácter efémero das
coisas, nostalgias de tempos perdidos, ele, Jorge Silva Melo que,
naquele tempo, quando andava a ler romances arrepende-se de não ter
dançado o twist e andar de carro descapotável.
No Verão todos os pecados se confundem.
Rilke dizia que só o Verão vale a pena, ou Ruy Belo,
mesmo que não conheças nem o mês nem o lugar caminha para o mar pelo Verão.
Jorge Silva Melo lê A Praia em 1965 e,
ficou a moer por dentro que a novela poderia dar um filme.
Sempre li Pavese com os meus “jeans”, uma camisa aos
quadrados vermelha e os cigarros Porto que então fumava, entre os postais que
regularmente punha no correio.
Dessas leituras, dessas melancolias, em 1987, Jorge Silva
Melo fez um filme e chamou-lhe Agosto.
La Spiaggia, de Cesare Pavese, cuja acção se passa nos
40, na Itália do pós-guerra, e aborda a ascensão da burguesia intelectual
depois de alguns anos de recuperação económica. O meu filme fala do momento em
que li a novela: é mais uma adaptação da leitura que fiz em 1965. Agosto é, se
calhar, o filme que gostava de ter feito quando ainda não podia fazer cinema. E
um filme que me faltou; é, talvez, o filme que gostava que a geração de João
Bénard da Costa tivesse feito quando se encontravam na Arrábida.
Mas esse tal João Bénard da Costa percebe o recado, e
de Agosto dirá: os anos 60 da Arrábida, que Jorge
Silva melo imortalizou no seu belíssimo Agosto, ainda lhe revelaram coisas, a
ele, que mais nenhum sítio de Portugal lhe podia revelar.
De novo, Jorge Silva Melo a falar de Agosto:
É um filme que tem saudades de um tipo de cinema que
existia e era exibido em Lisboa. Um cinema que eu vi no Condes com salas
cheias, que os meus pais viram, que as pessoas normais iam ver. Isto é, o
cinema dos amores na praia. Esse género de filmes nunca foi feito em Portugal e
este meu tem saudades desses filmes do tempo em que sonhávamos com as raparigas
de «Vespa» na praia.
O meu filme fala do momento em que li a novela; è mais
uma adaptação da leitura que fiz em 1965. Agosto é, se calhar, o filme que gostaria
de ter feito quando ainda não podia fazer cinema porque foi um livro que mais
me marcou depois de O Estrangeiro do Camus.
Todos pensamos que aquela prosa impessoal e tão
tocante foi escrita apenas para cada um de nós, que foi um sussurro que nos chegou
de Itália, um segredo que nos contaram, que foi realmente só para nós.
A minha primeira leitura de A Praia foi
encantadora, apressada como sempre são as minhas primeiras leituras de alguns
livros, a que depois tenho, naturalmente, de voltar.
E volto até que os olhos me doam.
Gosto do filme do Jorge Silva Melo.
Gostaria de vos dizer o porquê, mas faltam-me unhas…
É em A Praia que Pavese deixa escrita a
frase que pelos tempos fora tem sido repetida, e sempre continuará a ser, e que
vem na pág. 154 da minha velhinha edição de bolso da Portugália Editora:
Começava a compreender que nada é mais inabitável do
que um lugar onde se foi feliz.
Se fosse vivo, Cesare Pavese faria hoje 106 anos.
E
tão cedo que ele nos deixou, quando apenas tinha 42 anos, e com tanto ainda
para nos dar.
Em O Diabo Sobre as Colinas escreve que
da sua infância só lhe ficara o Verão, e num daqueles muitos seus dias
depressivos e tristes, escreveu: basta-me a companhia do mar. Não quero
ninguém. Na vida não tenho nada de meu. Deixem-me ao menos o mar.
Texto publicado em 9 de Setembro de 2014
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