Quando organizei esta minha última viagem aos Estados
Unidos decidi que iria visitar os lugares mais emblemáticos do “Civil Rights
Mouvement” e, por isso, não poderia deixar de passar por Montgomery, no
Alabama.
Reparei então, por mero acaso, que em Montgomery existia
uma Casa-Museu Scott e Zelda Fitzgerald, onde o casal tinha vivido durante
alguns meses, entre Setembro de 1931 e Fevereiro de 1932.
Estranha coisa esta - pensei para comigo - de se
transformar em museu uma casa onde um casal de celebridades viveu durante tão
pouco tempo… Que marca terão eles deixado nessa casa, em tão curta
permanência…? Que acontecimentos importantes terão aí ocorrido para que se
justifique dar a essa casa a dignidade de museu…?
Ainda por cima quando - vim a sabê-lo mais tarde - Scott
Fitzgerald passou uma boa parte desse período ausente em Hollywood a trabalhar
no guião cinematográfico de “Red Headed Woman”, deixando Zelda sozinha com
Scottie, a filha de ambos, e a sua ama, embora ambas pudessem contar com o
apoio da família de Zelda, que vivia na cidade. O casal tinha acabado de
regressar aos Estados Unidos vindos da Suíça, onde Zelda tinha passado largos
meses internada na sequência de depressões nervosas, e Scott pensou que lhe
faria bem estar uns tempos junto da família, tanto mais que o pai dela se
encontrava gravemente doente e ela poderia estar perto dele nesses últimos
momentos. Veio a falecer dois meses depois, com Scott ausente em Hollywood.
Mas estes pormenores desconhecia-os eu na altura, e
limitei-me a pensar que, muito provavelmente, aqueles dois nunca tinham
conseguido constituir e partilhar com a sua filha um “lar” acolhedor a que
pudessem chamar seu. Viveram sempre em grandes hotéis, nos Estados Unidos e no
estrangeiro, em casas de luxo emprestadas por amigos e em casas alugadas,
devidamente mobiladas para não dar trabalho, durante períodos relativamente
curtos da sua vida.
Nada que se comparasse, por exemplo, a um Faulkner, que
viveu em Rowan Oak durante mais de 30 anos.
Assim sendo, seria fatal que uma casa-museu que lhes
fosse dedicada tivesse sido uma antiga casa alugada, ou então uma dessas
cedidas por amigos, já que a dimensão de um hotel não se justificaria para esse
efeito.
Mesmo com alguma suspeição de que tudo poderia muito bem
não passar de um mero oportunismo de “turismo cultural” da cidade de
Montgomery, no dia previsto lá me meti a caminho do “Scott and Zelda Fitzgerald
Museum”, no nº 919 da Felder Avenue, num bairro residencial que me dava a impressão
de já ter conhecido melhores dias.
No que respeita a Scott, a Casa-Museu tem aquilo que se
poderia esperar: algumas primeiras edições dos seus romances, exemplares de
jornais e revistas onde foram publicadas as suas “short stories”,
manuscritos, uma máquina de escrever supostamente utilizada pelo casal, alguns
exemplares do impecável vestuário que ele usava, um poster de “This Thing
Called Love”, de Alexander Hall, filme que viu na véspera de morrer e durante o
qual se sentiu mal, e por aí fora...
Mas uma enorme surpresa me iria aguardar no que respeita
a Zelda.
Terei de recuar no tempo quase 50 anos para vos conseguir
explicar o motivo do meu espanto.
Quando, aí por volta dos meus 20 anos, me comecei a
interessar mais a sério pela Literatura Americana dita contemporânea (os
Faulkners, os Hemingways, os Steinbecks, os Caldwells, os Fitzgeralds e
outros), procurei começar por ler um pouco de cada autor e, para me orientar
nessas leituras, recorri a um “Panorama da Literatura Americana do Século XX”,
de John Brown, que tinha acabado de ser editado em Portugal pelas “Publicações
Dom Quixote” e que ainda mantenho em meu poder.
Mais ou menos na mesma altura, recordo-me de ter lido,
também, duas outras “Histórias da Literatura Americana” que a minha cunhada,
então recém-licenciada em Letras, me emprestou: uma era a de Luís Eugénio
Ferreira, editada pela Arcádia, que mais tarde vim a encontrar num
alfarrabista, e a outra era uma edição brasileira cujo autor esqueci.
No que respeita ao papel de Zelda na vida de Scott
Fitzgerald, todas elas, no essencial, coincidiam: Fitzgerald tinha sido um
escritor extremamente talentoso que, infelizmente para si e para a Literatura,
tinha sido desviado do seu mister pela mão de uma mulher leviana que o conduziu
a uma vida mundana de ócio e de lazer, levando-o a deixar a escrita para
segundo plano. Como se tal não bastasse, nos últimos anos da sua vida fora
obrigado a “prostituir-se”, trabalhando em Hollywood como escritor de guiões
para conseguir ganhar o dinheiro que lhe permitisse suportar os enorme encargos
resultantes dos tratamentos de saúde de uma mulher que entretanto enlouquecera
e que esteve internada em asilos de luxo anos a fio, bem como da educação da
filha única do casal, internada em colégios de renome.
De certo modo, todas essas opiniões retomavam o que fora
escrito por Ernest Hemingway em três venenosos escritos “de memórias” que se
reportam ao Outono de 1925 e que fazem parte de “Paris é Uma Festa”, nos quais
quer Scott quer Zelda são retratados quase como atrasados mentais: “Scott
Fitzgerald”, “Os Falcões Não Repartem Nada” e “Questão de Medidas”.
Não vos quero maçar ainda mais com grandes citações, mas
estas são importantes para perceberem a ideia que eu levava na cabeça acerca do
Scott Fitzgerald daqueles tempos de Paris e do papel da mulher na vida dele.
Em “Scott Fitzgerald” Hemingway conta como conheceu Scott
em Paris, e a determinada altura afirma:
“Ele contara-me …. como escrevia aquilo que ele
considerava bons contos e que eram naturalmente bons para o Post (Saturday
Evening Post, jornal onde eram publicados…) e como depois os alterava
submissamente por saber muito bem como efetuar os truques que os convertiam em
contos vendáveis para as revistas. Aquilo escandalizou-me. Disse-lhe que
considerava tal procedimento uma verdadeira prostituição. Ele concordou comigo,
mas acrescentou que tinha de proceder assim desde que pretendesse ganhar com as
revistas o dinheiro de que necessitava para escrever livros
decentes.” (pág. 119)
Em “Os Falcões Não Repartem Nada” conta como foi convidado, juntamente com Hadley, a sua mulher de
então, para jantar em casa dos Fitzgerald, no nº 14 da Rue
Tilsitt, e depois comenta a propósito de Zelda, que ele dizia ter olhos de
falcão:
“Em Zelda, a ressaca da bebedeira era péssima. Na
noite anterior, o casal tinha ido a Montmartre e tinham discutido porque Scott
não se queria embriagar. Ele decidira - segundo me confiou – trabalhar com
afinco e deixar de beber e Zelda tratava-o como se ele fosse um
desmancha-prazeres ou um aborrecido” (pág. 139)
Para, mais tarde, acrescentar”:
“(Zelda) tinha ciúmes do trabalho do marido e,
quando chegámos a conhecê-los bem, aquilo tornou-se o pão nosso de cada
dia. Todas as noites Scott resolvia deixar aquelas festas onde se embriagava,
fazer exercício todos os dias e trabalhar com regularidade. Começava de facto a
trabalhar , mas, assim que ele se concentrava na sua tarefa, Zelda começava a
queixar-se de aborrecimento, e tanto fazia que lá o arrastava para mais
uma noite de pândega.” (pág. 140)
E a crónica termina assim, partindo de uma tirada que
Zelda lhe lançou:
“- Ernest, não acha que Al Jonson é maior do que
Jesus?
Naquela altura, ninguém pensou em interpretar aquilo.
Era apenas o segredo de Zelda que ela partilhava comigo, da forma por que um
falcão pode partilhar qualquer coisa com um homem. Mas os falcões não partilham
nada. Scott não tornou a escrever coisa que fosse realmente válida, a não ser
depois de ter compreendido que ela estava doida” (pág. 145).
E foi com essa ideia de Zelda no meu espírito que
penetrei naquela Casa-Museu: a de uma tontinha, fútil e leviana…
Depois, comecei a passear-me pela Casa e a deparar com
factos que não fazia a mais pequena ideia de que tivessem acontecido…
Então a tontinha e inútil Zelda escrevera um romance,
“Save Me The Waltz”, publicado em 1932, e estava a trabalhar noutro na altura
em que morreu…?
Escrevera e encenara peças teatrais…?
Deixara escritas cartas de uma enorme beleza...?
Pintara quadros de boa qualidade - alguns deles pude ver
no próprio no Museu - e expusera-os durante um mês em Nova Iorque, em 1934,
embora sem grande sucesso da crítica…?
Fora bailarina de qualidade superior, com propostas para
integrar o corpo de bailado de uma importante Companhia italiana…?
Qualquer coisa aqui não me parecia bater certo.
Nessa mesma noite, já no hotel, fui pesquisar à “net” e
encontrei referências a uma biografia de Zelda, escrita em 1970 pela americana
Nancy Milford, em que toda a história que eu conhecia me surgia virada do
avesso…
Afinal a vítima era a pobre Zelda, e Scott o vilão…
Fora Scott quem plagiara partes do “Diário” e de cartas
de Zelda e os colocara na boca de personagens do seu primeiro romance, sem
qualquer agradecimento ou referência à sua origem…
Fora também Scott quem convencera Zelda a deixar assinar,
com o nome de ambos, “short stories” que eram de sua exclusiva
autoria...
Fora ainda Scott quem obrigara a sua mulher a reescrever
uma boa parte do seu romance, porque a versão inicial abordava factos que ele
pretendia reservar para si e para o seu “Tender is the Night”, que já então
tinha em curso de escrita…
Fora o mesmo Scott quem, no Sul de França, recusara o
divórcio a Zelda e a trancara num quarto, impedindo-a de partir à aventura com
o aviador naval francês Edouard Jozan, por quem ela se perdera de amores à
primeira vista, levando-a a uma “overdose” de compridos que alguns
interpretaram como tentativa de suicídio…
E fora sempre Scott quem contrariara os desejos de Zelda
de dar asas aos seus múltiplos talentos e de os expressar de forma artística,
seja na Dança, na Pintura, no Teatro ou, como já vimos, na Literatura…
Poderia ir ainda mais longe na apresentação destes
alegados exemplos da “tirania” e da “repressão” exercida por Scott sobre Zelda,
mas a conclusão a que se pretendia agora chegar com tudo isto é que se a pobre
Zelda passou os últimos 20 anos da sua vida mais dentro do que fora de clínicas
e hospitais psiquiátricos, muita da responsabilidade se ficou a dever a Scott.
Escusado será dizer-vos que toda esta nova linha de
argumentação constituiu uma enorme surpresa para mim e deitava por terra muitas
das verdades que tinha por adquiridas em relação à vida daqueles dois.
Como as viagens também servem para tomarmos consciência
da nossa ignorância e para procurarmos colmatar ou que ainda for colmatável,
decidi de imediato que iria mergulhar mais a sério na vida e na obra de Scott e
Zelda Fitzgerald e, depois tiraria as minhas próprias conclusões.
Assim que regressei a Portugal, lancei, literalmente,
mãos à obra...
Com vagar e sem qualquer pressão, reli todos os romances
de Fitzgerald (são apenas cinco, sendo o último, “The Last Tycoon”,
incompleto…), li ou reli as suas principais “short stories” (parece que
são cerca de 160 no total…!), li algumas das largas centenas de cartas que
escreveu, com destinatários muito variados, li os dois principais livros
biográficos que foram escritos acerca dos tempos que passou em Hollywood como
escritor de guiões (“Crazy Sundays”, de Aaron Lathan, e “Some Time in the Sun”,
de Tom Dardis) e li, ainda, as memórias da “socialite” inglesa Sheilah
Graham, sua companheira durante esses últimos anos de vida em Los Angeles.
Isto no que diz respeito a Scott.
No que respeita a Zelda, li o seu romance, “Save Me The
Waltz”, em versão francesa, a tal biografia “Zelda”, de Nancy Milford, bem como
dois romances que foram escritos por outros autores mas inspirados na sua vida:
“Alabama Song”, de Gilles Leroy, de que existe uma tradução portuguesa na
“Esfera do Caos Editores, e o mais recente “Z: A Novel of Zelda Fitzgerald”, de
Therese Anne Fowler.
No que respeita a ambos, li também o muito interessante
álbum “The Romantic Egoists – A Pictural Autobiography From the Scrapbooks and
Albums of F. Scott and Zelda Fitzgerald”, que a sua filha Scottie compilou, com
a apoio do biógrafo Matthew Bruccoli.
E, para juntar o útil ao agradável, aproveitei também
para ver ou rever todos os filmes direta ou indiretamente inspirados na vida e
em obras de Fitzgerald.
De tudo quanto selecionei para ler apenas me faltam “Os
Desencantados”, de Budd Schulberg, alegadamente inspirado num episódio da vida
de Scott em Hollywood, “Clothes For a Summer Night”, uma peça de Tennessee Williams
de 1980 baseada na vida do casal, “Beautiful Fools”, o romance de R. Clifton
Spargo que aborda a última vez que o casal esteve junto, em Abril de 1939, numa
viagem a Cuba que correu muito mal, e a biografia “F. Scott Fitzgerald”, de
Matthew J. Bruccoli, considerada a melhor de quantas fora escritas e que,
propositadamente, deixarei para o fim para a poder “saborear” com um pouco mais
de conhecimento de causa.
Chegados aqui, perguntar-me-ão vocês agora,
legitimamente: “Quid juris..?” Afinal, quem tramou a vida a quem…?
Como não vos consigo dar uma resposta objetiva, vou “dar
a volta ao texto” com algumas explicações...
No que respeita às acusações a Scott, que acima resumi,
parece haver muito de verdade mas também muito de mentira…
É verdade que Scott plagiou Zelda sem o confessar
publicamente. E não só a plagiou, como nela se inspirou para muitas das
heroínas dos seus romances.
Mas não é menos verdade que ele registava tudo quanto lia
e ouvia que pensasse que poderia ter interesse para uma utilização futura.
A sua companheira em Los Angeles, Sheilah Graham,
conta-nos que ele se fazia sempre acompanhar de um pequeno bloco onde anotava
tudo quanto lhe parecesse interessante, e ela própria afirma ter encontrado em
“The Last Tycoon” frases e comentários que se recorda terem sido de sua autoria
e que Scott registou e aproveitou para o romance.
Mas Scott não fazia isso apenas com as suas companheiras.
Se estivesse num restaurante e na mesa ao lado ouvisse uma frase ou uma
expressão que chamasse a sua atenção, registava-a de imediato.
No que respeita ao facto de Scott ter insistido para
co-assinar algumas “short stories” exclusivamente escritas por Zelda,
ele próprio o explicou de forma clara e tinha tudo a ver com o maldito dinheiro
de que tanto necessitavam. É que um texto assinado por ele valeria, no mínimo,
o dobro de um assinado exclusivamente por Zelda...
Quanto à obrigatoriedade de alteração de partes do
romance “Save Me The Waltz”, parece ter sido verdade… Zelda garantia que na sua
versão inicial a qualidade do romance era superior, mas essa comparação é,
hoje, impossível de fazer, porque se deu como perdida essa primeira versão do
livro.
A história do aviador francês também parece ter sido,
pelo menos parcialmente, verdadeira, mas é bem possível que Scott, cujos ciúmes
em relação a Zelda eram lendários, tenha sido mais lúcido do que ela e se tenha
apercebido do buraco em que a sua mulher se iria meter… Entrevistado muitos
anos depois pela biógrafa Nancy Milton, Edouard Jozan teve dificuldade em se
lembrar desse “flirt”, o qual, para ele, aparentemente não terá passado de uma
mera aventura de Verão no Sul de França…
No que respeita às ambições artísticas de Zelda, embora
se saiba que Scott nunca fora um grande entusiasta da aventura do “ballet”, não
foi por isso que Zelda deixou de ter o dinheiro necessário para as suas caras
lições de dança em Paris, com a professora russa Madame Luboy Egorova, e se não
foi mais longe terá sido por outros motivos que não um puro e simples boicote
de Scott: por, como lhe disse Madame Egorova logo no final da primeira lição,
ter retomado a aprendizagem da dança já demasiado tarde, para o tipo de
ambições de “Primeira Bailarina” que tinha e, também, por ter contraído, tempos
depois, uma lesão óssea devido ao excesso de treino.
E quanto à Pintura, foi graças ao envolvimento pessoal de
Scott junto do seu círculo de amigos em Nova Iorque que Zelda conseguiu
concretizar a primeira e única exposição dos seus quadros, em 1934.
Doenças antigas que se acentuaram com a idade…? A morte
do pai, a quem, embora ele fosse uma figura distante, se sentia muito ligada..?
A do seu irmão preferido, Anthony, pouco tempo depois…? Uma enorme frustração
por sentir que teria ficado para trás, nessa espécie de competição que, a
determinada altura, parece ter desencadeado com o marido…? A persistente
memória de um Amor louco sufocado à nascença…? Tudo isso, em simultâneo…?
Enfim, não sou psiquiatra para tentar perceber o que se
terá passado na cabeça de Zelda que a levou à esquizofrenia de que padecia, mas
atribuir essa responsabilidade a Scott parece-me manifestamente exagerado. Como
também exagerado será dizer que Zelda foi a única responsável pelo alcoolismo
de Scott...
Por isso, em relação à vossa pergunta, não sei que
responder…
Mas se quiserem mesmo a minha opinião pessoal, hoje penso
que aqueles dois se destruíram mutuamente.
Scott já sabia ao que ia, e se namorada minha me
dissesse, como Zelda lhe disse a ele, que só se casaria comigo se e quando eu
fosse um escritor de sucesso, estávamos conversados, por muito que gostasse
dela…
Depois do sucesso do seus primeiro livro, “This Side of
Paradise”, Scott deslumbrou-se com a maneira fácil como o dinheiro lhe entrava
na conta bancária nesses primeiros anos e embarcou naquela vida de boémia em
todos os lugares por onde passaram, nos Estados Unidos, em França, em Itália,
talvez menos na Suiça, porque Zelda estava em tratamento...
Aquela vida de alta sociedade constituía, para ele, uma
espécie de atração/repulsa a que não conseguiu resistir e que tão bem soube
retratar no “The Great Gatsby” e em “Tender is the Night”.
E depois, o círculo vicioso: é preciso dinheiro,
escrevam-se “short stories”, mesmo que sejam “lixo”, como tantas que o
próprio Scott admitiu ter escrito… São bem pagas, e deixe-se o romance para
depois, quando houver maior tranquilidade para o escrever…
Mas as noites loucas seguiam-se umas atrás das outras, e
a tranquilidade, essa nunca chegava…
Entre a publicação de “The Great Gatsby” (1925) e a de
“Tender is the Night” (1934) decorreram quase 10 anos e Scott só viria a ter
alguma tranquilidade forçada no seu último ano de vida, em que a dificuldade em
arranjar trabalho bem pago em Hollywood lhe proporcionou maior disponibilidade
para essa escrita mais pessoal e para aquele que - estava convencido – seria o
melhor dos seus livros e lhe voltaria a proporcionar um merecido sucesso
público… E com ele o relançar da sua carreira de escritor. Mas já não iria a
tempo...
Bem lá no fundo, Scott Fitzgerald sabia que “there’s
no second acts in american lives”. Foi ele próprio quem o escreveu...
Talvez Scott tenha acabado por ser mais lúcido do que
Zelda, dando-se conta, mais cedo, do buraco onde tinha caído. Foi nessa altura,
por volta de 1936, que escreveu os três desesperados textos de “Crack Up”.
No primeiro entra logo a afirmar que “claro está que a
vida é, toda ela, um ato de demolição”…
E no terceiro e último termina deixando cair aquela
terrível frase que, segundo reza a lenda, Hemingway nunca lhe perdoou tê-lo
escrito:
“Já não sinto simpatia por carteiros, merceeiros,
chefes de redação, maridos da prima, e a vida agora vai-me ser mais fácil de
viver; cave canen*, tenho sempre escrito por cima da porta. Vou tentar ser um
animal correto, o mais possível, e olhem: se me atirarem um osso com bastante
carne agarrada, quem sabe lá se não sou capaz de vos lamber a mão.”
Morreria em 21 de Dezembro de 1940 na sequência de um
ataque cardíaco, quando trabalhava afincadamente no “The Last Tycoon” em casa
de Sheilah Graham. Tinha, apenas, 44 anos de idade, mas aparentava muitos mais…
Quanto a Zelda, viveria ainda mais 10 anos, mas iria ter,
a 10 de Março de 1948, um fim de vida macabro. Morreu queimada num incêndio que
assolou uma das alas do Highland Hospital, em Asheville, quando se encontrada
fechada à chave num quarto, juntamente com outras pacientes.
Hoje encontram-se os dois juntos no Old Saint Mary’s
Catholic Church Cemetery, em Rockville, no Maryland.
“Assim vamos teimando, proas contra a corrente,
incessantemente cortando as águas, a caminho do passado que não volta”.
Bonito, sem dúvida, signifique isto o que significar...
No original, ainda mais bonito é:
“So
we beat on, boats against the current, borne back ceaselessly into the past”.
É a última frase de “The Great Gatsby”, que também ele
acreditava na luz verde e sonhava com um passado que já não podia recuperar…
E foi também a frase que a filha de ambos fez inscrever
em lápide no túmulo dos seus pais.
Não é lá muito original, mas foi a maneira que arranjei
para me despedir, por hoje, de Scott e Zelda Fitzgerald...
* Cuidado com o cão, em latim.
PS:
Tradução de “Paris é Uma Festa” por Virgínia Motta
(Livros do Brasil, 2014), de “Crack Up” por Anibal Fernandes (Hiena Editora,
1986), e de “The Great Gatsby” por José Rodrigues Migueis (Portugália Editora, s/d).
Texto e fotografias de Luís Miguel Mira
2 comentários:
Ó Luís Miguel Mira que bela peça de literatura que o meu caríssimo aqui me proporcionou.
Obrigado
Um abraço
Não tem de agradecer, Seve...
É bom sentir que aquilo que nos dá prazer a nós também consegue dar prazer a outras pessoas.
Um abraço1
LM
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