Para assinalar os 10
anos do CAIS DO OLHAR, os fins-de-semana estão guardados para lembrar
alguns textos que por aqui foram sendo publicados.
SAUDADES DE SALGARI
Sempre que, em cada ano, visito a Feira
do Livro, lembro o primeiro livro de Emilio Salgari que o meu avô me comprou,
dizendo-me para escolher um: Os Pescadores de Pérolas.
Plantava-se, então, a Feira do Livro em redor das taças de água do Rossio.
Lembro-me que custou oito escudos,
qualquer coisa como, ao câmbio dos dias de hoje, 0,04 euros.
Em
prosa atrás colocada, também disse que só depois vieram os sandokas,
os corsários negro e vermelho, o Capitão Morgan, tantos outros.
Como
prometera, ficam aqui as capas dos únicos livros de Salgari que
possuo, comprados num alfarrabista-vão-de-escada a preço confortável.
Sim, porque os outros alfarrabistas
sabem o que vendem e o seu valor.
Outras histórias.
Emílio Salgari nasceu em Verona a 21 de
Agosto de 1862.
Não se sabe ao certo quantos livros
escreveu. Admite-se que ultrapasse as duas centenas. Em Portugal a João Romano
Torres, casa fundada em 1885 com sede na Rua Alexandre Herculano nº 70 a 76,
publicou 150.
Pensei até certo momento que esses
livros eram o resultado de inúmeras viagens feitas pelo mundo e em que
dissertava sobre a fauna e a flora das regiões onde se desenrolava a acção,
fosse na Malásia, no Bornéu, nas Caraíbas e até no Farwest americano.
Mas não!
Em toda a sua vida realizou apenas
uma viagem no mar Adriático, na costa oriental italiana, quando frequentou, um
curso para capitão da marinha e em que acabou por reprovar.
Os livros, escreveu-os sem sair do seu
quarto, servindo-se de relatos e leituras de outros viajantes e aventureiros,
enciclopédias, também das leituras de livros de vários autores e toda a sorte
de assuntos, sendo o mais recorrente Júlio Verne.
A tudo isso juntava a sua fértil
imaginação.
Não resisto à tentação de transcrever o
começo de A Noiva do Corsário Negro:
«O célebre mar da Caraíbas, açoitado
pelo temporal, rugia furiosos, projectando verdadeiras catadupas de água contra
os molhes de Porto Limão, costas da Nicarágua e da Costa Rica.
O sol estava no ocaso e as trevas caíam
rapidamente como se tivessem pressa de ocultar a tremenda luta travada entre a
terra e o céu.
Ainda não chovia, mas não devia tardar e
por isso os habitantes se tinham apressado a abandonar as ruas da cidadela e o
pequeno porto, refugiando-se nas suas casas.»
Também o começo de Sandokan
Vence o “Tigre da Índia”:
«Na manhã de 20 de Abril de 1857, o
faroleiro de Diamind-Harbour assinalava a presença de pequeno veleiro, que
devia ter entrado no porto durante a noite, sem auxílio de piloto.
Pelas dimensões das velas
assemelhavam-se aos paraus malaios, mas não se viam os balancins para se
defender das rajadas, nem a cobertura chamada «attap», que os barcos daquela
natureza costumam usar. Além disso, não tinha a popa baixa e, por certo, deslocava
três vezes a tonelagem dos paraus ordinários.
Fosse como fosse, era um veleiro
lindíssimo, de casco esguio, verdadeiro barco de corrida, que devia ganhar em
velocidade a todos os barcos a vapor que então possuía o governo anglo-indiano.»
Nenhum dos livros indica o autor das capas.
A tradução de Sandokan é de Leyguarda
Ferreira e a do Corsário Negro é de António Vilalva.
Ambos foram editados em 1958,
tinha eu 13 anos, e impressos na Tipografia H. Torres na Rua de S. Bento nº
279-B.
Toda a vida de Emílio Salgari foi
composta por enormes carências financeiras, realizando os mais variados sacrifícios
para poder sobreviver, bem como sua mulher e os quatro filhos.
Tentou que os diversos editores, que lhe
iam publicando os livros, lhe prestassem um qualquer auxílio.
Em vão.
Desesperado, suicidou-se no dia 25 de
Abril de 1911. Tinha 49 anos.
Deixou um recado escrito aos crápulas
dos editores:
«Aos meus editores: A vós que haveis
enriquecido à custa da minha pele, mantendo-me a mim e à minha família numa
contínua quase miséria, ou pior, só vos peço que em compensação dos lucros que
vos proporcionei tomeis a vosso cargo o meu funeral. Saúdo-vos quebrando a
pena.»
Texto
publicado em 27 de Junho de 2017
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