Os
Reinegros
Alves
Redol
Publicações
Europa-América, Lisboa , Novembro de 1972
-Quer
uma beata?
-
Não, obrigado.
-
Aproveite, que a colheita d’hoje foi boa. Deixaram-me entrar numa leitaria… O
caixeiro era um rapazote de boa cara. Vá lá. Olhe que não ofereço par armar.
Quando há…
-
Já fumei demais.
-
Também teve sorte, não?
.
Sim, tive.
Acanhava-se
de lhe dizer que não era mendigo, parecendo-lhe que isso quebraria aquela
camaradagem.
- Venho aqui todas as noites. Vossemecê onde
dorne?
-
Onde calha.
-
Já foi engatado?... A gente a tratar-se quase por senhoria, tem graça. Desculpa
a franqueza. Mas isto entre malta da gandaia vai o tu prà frente. Vê lá, se t’importas…
-
Eu não.
-
Pois assim é que é direito. O que te parece a revolução?
-
Parece-me bem.
-
Os republicanos…
-
Ganham. Isto é a revolução do povo e onde o povo se mete…
.
Já foste aos comícios?
-
Porquê?
-
É que se vê logo. Falas assim de povo… o povo és tu e sou eu. Julgas que
deixamos de dormir aqui por causa disso?
-
Tenho a certeza.
-
Que idade tens?
- A caminho dos trinta.
- A caminho dos trinta.
-
Ainda tens cataratas. A revolução é pra eles.
-
Pra eles quem?
-
Pròs cartolas. Se fosse para a gente, não era assim. Havia mais sangue.
-
Dizem que os mortos já não cabem na morgue…
-
Está quieto! És republicano?
-
O que queria que fosse? E tu?...
-
Anarquista.
-
Ah!...
Reinegro
levantou-se, indo até à porta, espreitar a noite.
-
A manhã já não tarda. Andas há pouco tempo nisto, não?
-
Ando. Porquê?
-
Vê-se logo. Republicano, e ainda por cima não sabes quando vai amanhecer. A
gente, pelo hábito, já sente a manhã. É uma coisa que não se explica;
aprende-se com o tempo.
Sem comentários:
Enviar um comentário