sábado, 15 de agosto de 2020

GRAND COULEE DAM


Como se sabe, no seu discurso de tomada de posse do primeiro mandato, em 1933, o Presidente Franklin Delano Roosevelt propôs ao povo americano um “New Deal”, como forma de ultrapassar os efeitos nefastos da Grande Depressão resultante do “crash” de Wall Street, em Outubro de 1929, que por essa altura ainda se faziam muito sentir em todo o país.

Nas semanas que se seguiram muitas iniciativas e medidas foram anunciadas nos diversos domínios da vida económica e social, algumas delas de inspiração “keynesiana”.

Na parte que agora aqui nos interessa, foi anunciada, logo em 1933, a criação de uma nova Agência Federal, a “Public Work Administration”, na dependência do Secretário do Interior, cujo principal objetivo seria a planificação da construção de obras públicas em larga escala, tais como barragens, pontes, estradas, escolas, etc.

Desta forma, melhoravam-se as infraestruturas do país, com impacto esperado na melhoria da produtividade e na criação de riqueza, dava-se emprego a um número muitíssimo significativo de desempregados e lançava-se dinheiro na Economia.

Uma das primeiras obras anunciadas foi a construção de uma rede de barragens que pudesse aproveitar a enorme força motriz proporcionada pelo rio Columbia, no Estado de Washington, para a criação de energia hidroelétrica e para a irrigação de todos os terrenos da grande região do Pacific Northwest.

A primeira barragem a ser construida, de menor dimensão, foi a de Bonneville, inaugurada em 1937.
A construção da segunda barragem, de superior dimensão, a que foi dado o nome de Grand Coulee, iniciou-se em Julho de 1933 e foi concluída em Junho de 1942.

No seu tempo foi considerada a barragem com maior capacidade de geração de energia hidroelétrica em todo o Mundo e ainda hoje, depois de obras de ampliação realizadas na década de 70 do século passado, é a maior hidroelétrica dos Estados Unidos e a sexta mais potente do Mundo.

Voltando atrás no tempo, em 1937 foi criada uma outra Agência Federal, a “Bonneville Power Administration” (BPA), cujo objetivo era a gestão dessa rede de barragens e a instalação das infraestruturas necessárias para a comercialização da eletricidade gerada.


Aproximando-se a data da inauguração da barragem Grand Coulee, a BPA, com óbvias intenções propagandisticas, decidiu realizar um filme que contasse a história da construção da barragem e evidenciasse, junto do povo americano, a importância histórica dessa obra para a vida económica da nação.

A realização desse filme foi entregue a Gunther Von Fritsch, realizador austro-húngaro a trabalhar no Estados Unidos desde 1930, do qual a História do Cinema não se esqueceu, embora o não coloque em lugar de particular relevância.

Consta que Von Fritsch procurava um narrador para o seu documentário e que foi o musicólogo Alan Lomax quem lhe sugeriu o nome de Woody Guthrie, que não só poderia desempenhar esse papel, como também compor e cantar algumas canções alusivas ao evento, como suporte musical do filme.

Von Frisch concordou, a BPA aceitou e foi proposto a Woody Guthrie um contrato de 12 meses.


Mas eis senão quando algumas vozes se deram conta de quem era Woody Guthrie e bramaram que ter um perigoso esquerdista e agitador sindical à solta nos estaleiros e nos diversos locais da construção, talvez não fosse assim uma muito boa ideia…

A BPA caiu em si e o contrato de Guthrie foi reduzido a um só mês e apenas para compor as canções, afastando-se a ideia de o ter como narrador…

Mas talvez tivessem feito mal porque, como hoje se diz, Woody Guthrie acreditou no projeto e levou muito a sério a sua curta missão

Não se poupou a esforços e, como ele próprio escreveu, viu “the Columbia River and the big Grand Coulee Dam from just about every clift, mountain, tree, and post from wich it can be seen”.

Ele sabia que a construção da barragem dava emprego a muita gente que dele precisava, que a eletricidade traria melhores melhores condições de vida à população rural, que um sistema de irrigação mais perfeito iria permitir alargar em muito as áreas de plantação, possibilitando, 
dessa forma, oportunidades de ocupação para os migrantes dos estados do Sul que debandavam Califórnia e os estados do Norte em busca de trabalho nos campos…


Apenas não sabia, porque os Estados Unidos ainda não tinham decidido entrar na II Grande Guerra, que a energia produzida por essa barragem iria permitir o desenvolvimento da indústria do alumínio nessa região, a qual foi fundamental para a construção de barcos, aviões e outros equipamentos de guerra.

Num só mês Woody escreveu 26 canções e, sendo verdade que algumas foram apenas novas letras para músicas já existentes, quatro ou cinco das originais são do melhor que alguma vez escreveu.

Nessas canções, Woody não elogiou o Governo, os seus patrões nem a instituição que o contratou…

Elogiou a força da Natureza e a sua capacidade para ajudar o Homem, e cantou a Terra, o rio e os seus afluentes.

Louvou a capacidade do Homem para conceber e realizar uma Obra dessa dimensão, “the biggest thing that man has ever done”, como ele próprio escreveu numa das canções.

Não se esqueceu daquelas quase 3.000 pessoas que trabalharam arduamente de sol a sol para que a Obra pudesse nascer, para bem de todos.


Woody gravou essas músicas em Portland, em Maio de 1941, e todas as matrizes das gravações, bem como os originais das letras, ficaram em poder da BP A, sua legitima proprietária.


Mas, poucos meses depois, os japoneses atacaram Pearl Harbour, o realizador Von Fritsch alistou-se no “Signal Corps” do exército americano e as filmagens foram suspensas.

O documentário só viria a ser concluído muito tempo depois do final da Guerra, em 1949, contendo, apenas, extratos de três canções de Woody: “Roll Columbia, Roll”, “Pastures of Plenty” e “The Biggest Thing That Man Has Ever Done”.

O filme, com apenas 21 minutos de duração, tem interesse histórico e poderá ser visto no YouTube (“The Columbia”, 1949).

Envio-vos um pequeno resumo desse filme, com cerca de 5 minutos, do qual constam todas as partes que contém música de Woody Guthrie.

Mas se esta experiência de um mês como funcionário público foi produtiva para Guthrie em termos artísticos, já não o foi tanto no que respeita à sua vida pessoal.

Terminado o trabalho manifestou à sua mulher, Mary, o desejo de regressar a Nova Iorque, de onde tinham saído poucos meses antes, mas ela respondeu-lhe que estava cansada de andar com a casa às costas a vagabundear de um lado para o outro e se ele, Woody, queria mesmo regressar a Nova Iorque teria de ir sem ela e sem os três filhos.

Woody foi mesmo e, pouco tempo depois, já estava a cantar com Pete Seeger e outros amigos nos “Almanac Singers”, iniciando-se aí uma nova página na música “Folk” de intervenção.

Na conclusão do pequeno filme que vos envio aparece a informação de que “the 26 ballads Guthrie wrote for BPA in 1941 were compiled and released as a collection known today as “The Columbia River Songs”.

Não é verdade…


O disco é este que vos mostro, mas contém, apenas, 17 das 26 canções iniciais.

A explicação oficial é que a BPA, proprietária das matrizes originais e das letras, perdeu esses arquivos (pelos vistos estas coisas não acontecem apenas em Portugal…).

Embora, posteriormente à data da gravação inicial, a maior parte dessas canções tenha sido gravada de novo por Woody em diversas ocasiões, outras não o foram e a sua memória desvaneceu-se…

Conhecendo-se o hábito de Woody, bem como do seu amigo Pete Seeger, de alterar a letra das suas canções em função das necessidades do momento, também não existirá a certeza absoluta de que as versões constantes desta compilação correspondam, integralmente, às da gravação original.

Para acompanhar o texto que acabaram de ler escolhi-vos duas canções, que documentam bem a expectativa com que Woody encarava a construção da barragem:

- “Pastures of Plenty”, interpretada pelo próprio Woody, que evoca o sonho dessa abundância de pastagens que possibilitaria uma ocupação e uma vida mais digna para todos.


- “Roll on Columbia”, hino ao rio e à sua força para permitir que a escuridão se transformasse em luz do dia, aqui interpretada por Country Joe McDonald, nesse álbum de 1969 gravado em perfeito estado de graça que se chama “Thinking of Woody Guthrie”.

Deixo-vos, igualmente, as letras, com o alerta de que nem sempre correspondem integralmente ao que se canta já que, se Woody, neste caso, foi fiel ao que escreveu, Country Joe salta, por vezes, algumas estrofes.

PASTURES OF PLENTY

It's a mighty hard row that my poor hands have hoed
My poor feet have traveled a hot dusty road
Out of your Dust Bowl and Westward we rolled
And your deserts were hot and your mountains were cold
I worked in your orchards of peaches and prunes
I slept on the ground in the light of your moon
On the edge of your city you'll see us and then
We come with the dust and we go with the wind

California, Arizona, I harvest your crops
Well its North up to Oregon to gather your hops
Dig the beets from your ground, cut the grapes from your vine
To set on your table your light sparkling wine

Green pastures of plenty from dry desert ground
From the Grand Coulee Dam where the waters run down
Every state in the Union us migrants have been
We'll work in this fight and we'll fight till we win

It's always we rambled, that river and I
All along your green valley, I will work till I die
My land I'll defend with my life if it be
Cause my pastures of plenty must always be free


ROLL ON COLUMBIA

Green Douglas firs where the waters cut throug
Down her wild mountains and canyons she flew
Canadian Northwest to the oceans so blue

Roll on Columbia, roll on
Roll on, Columbia, roll on
Roll on, Columbia, roll on
Your power is turning our darkness to dawn
So roll on, Columbia, roll on

Other great rivers add power to you
Yakima, Snake, and the Klickitat, to
Sandy Willamette and Hood River to
So roll on, Columbia, roll on

Tom Jefferson's vision would not let him rest
An empire he saw in the Pacific Northwest
Sent Lewis and Clark and they did the rest
So roll on, Columbia, roll on

It's there on your banks that we fought many a figh
Sheridan's boys in the blockhouse that night
They saw us in death but never in flight
So roll on Columbia, roll on

At Bonneville now there are ships in the locks
The waters have risen and cleared all the rocks
Shiploads of plenty will steam past the docks
So roll on, Columbia, roll on

And on up the river is Grand Coulee Dam
The mightiest thing ever built by a man
To run the great factories and water the land
So roll on, Columbia, roll on

These mighty men labored by day and by night
Matching their strength 'gainst the river's wild flight
Through rapids and falls, they won the hard fight
So roll on, Columbia, roll on

PS:

A citação de Woody Guthrie foi retirada do curto texto que acompanha o CD.

Texto de Luís Miguel Mira

1 comentário:

Seve disse...

Que maravilha de filme, uma autêntica pérola. Isto é beleza, encanto, vida!
Obrigado.