Como
se sabe, no seu discurso de tomada de posse do primeiro mandato, em 1933, o
Presidente Franklin Delano Roosevelt propôs ao povo americano um “New Deal”,
como forma de ultrapassar os efeitos nefastos da Grande Depressão resultante do
“crash” de Wall Street, em Outubro de 1929, que por essa altura ainda se
faziam muito sentir em todo o país.
Nas
semanas que se seguiram muitas iniciativas e medidas foram anunciadas nos
diversos domínios da vida económica e social, algumas delas de inspiração
“keynesiana”.
Na
parte que agora aqui nos interessa, foi anunciada, logo em 1933, a criação de
uma nova Agência Federal, a “Public Work Administration”, na dependência do
Secretário do Interior, cujo principal objetivo seria a planificação da
construção de obras públicas em larga escala, tais como barragens, pontes,
estradas, escolas, etc.
Desta
forma, melhoravam-se as infraestruturas do país, com impacto esperado na
melhoria da produtividade e na criação de riqueza, dava-se emprego a um número
muitíssimo significativo de desempregados e lançava-se dinheiro na Economia.
Uma
das primeiras obras anunciadas foi a construção de uma rede de barragens que
pudesse aproveitar a enorme força motriz proporcionada pelo rio Columbia, no
Estado de Washington, para a criação de energia hidroelétrica e para a
irrigação de todos os terrenos da grande região do Pacific Northwest.
A
primeira barragem a ser construida, de menor dimensão, foi a de Bonneville,
inaugurada em 1937.
A
construção da segunda barragem, de superior dimensão, a que foi dado o nome de
Grand Coulee, iniciou-se em Julho de 1933 e foi concluída em Junho de 1942.
No
seu tempo foi considerada a barragem com maior capacidade de geração de energia
hidroelétrica em todo o Mundo e ainda hoje, depois de obras de ampliação
realizadas na década de 70 do século passado, é a maior hidroelétrica dos
Estados Unidos e a sexta mais potente do Mundo.
Voltando
atrás no tempo, em 1937 foi criada uma outra Agência Federal, a “Bonneville
Power Administration” (BPA), cujo objetivo era a gestão dessa rede de barragens
e a instalação das infraestruturas necessárias para a comercialização da
eletricidade gerada.
Aproximando-se
a data da inauguração da barragem Grand Coulee, a BPA, com óbvias intenções
propagandisticas, decidiu realizar um filme que contasse a história da
construção da barragem e evidenciasse, junto do povo americano, a importância
histórica dessa obra para a vida económica da nação.
A
realização desse filme foi entregue a Gunther Von Fritsch, realizador
austro-húngaro a trabalhar no Estados Unidos desde 1930, do qual a História do
Cinema não se esqueceu, embora o não coloque em lugar de particular relevância.
Consta
que Von Fritsch procurava um narrador para o seu documentário e que foi o
musicólogo Alan Lomax quem lhe sugeriu o nome de Woody Guthrie, que não só
poderia desempenhar esse papel, como também compor e cantar algumas canções
alusivas ao evento, como suporte musical do filme.
Von
Frisch concordou, a BPA aceitou e foi proposto a Woody Guthrie um contrato de
12 meses.
Mas
eis senão quando algumas vozes se deram conta de quem era Woody Guthrie e
bramaram que ter um perigoso esquerdista e agitador sindical à solta nos
estaleiros e nos diversos locais da construção, talvez não fosse assim uma muito
boa ideia…
A
BPA caiu em si e o contrato de Guthrie foi reduzido a um só mês e apenas para
compor as canções, afastando-se a ideia de o ter como narrador…
Mas
talvez tivessem feito mal porque, como hoje se diz, Woody Guthrie acreditou no
projeto e levou muito a sério a sua curta missão
Não se poupou a esforços e, como ele próprio escreveu,
viu “the Columbia River and the big Grand Coulee Dam from just about
every clift, mountain, tree, and post from wich it can be seen”.
Ele
sabia que a construção da barragem dava emprego a muita gente que dele
precisava, que a eletricidade traria melhores melhores condições de vida à
população rural, que um sistema de irrigação mais perfeito iria permitir
alargar em muito as áreas de plantação, possibilitando,
dessa forma,
oportunidades de ocupação para os migrantes dos estados do Sul que debandavam
Califórnia e os estados do Norte em busca de trabalho nos campos…
Apenas
não sabia, porque os Estados Unidos ainda não tinham decidido entrar na II
Grande Guerra, que a energia produzida por essa barragem iria permitir o
desenvolvimento da indústria do alumínio nessa região, a qual foi fundamental
para a construção de barcos, aviões e outros equipamentos de guerra.
Num
só mês Woody escreveu 26 canções e, sendo verdade que algumas foram apenas
novas letras para músicas já existentes, quatro ou cinco das originais são do
melhor que alguma vez escreveu.
Nessas
canções, Woody não elogiou o Governo, os seus patrões nem a instituição que o
contratou…
Elogiou
a força da Natureza e a sua capacidade para ajudar o Homem, e cantou a Terra, o
rio e os seus afluentes.
Louvou
a capacidade do Homem para conceber e realizar uma Obra dessa dimensão, “the
biggest thing that man has ever done”, como ele próprio escreveu
numa das canções.
Não
se esqueceu daquelas quase 3.000 pessoas que trabalharam arduamente de sol a
sol para que a Obra pudesse nascer, para bem de todos.
Woody
gravou essas músicas em Portland, em Maio de 1941, e todas as matrizes das
gravações, bem como os originais das letras, ficaram em poder da BP A, sua
legitima proprietária.
Mas,
poucos meses depois, os japoneses atacaram Pearl Harbour, o realizador Von
Fritsch alistou-se no “Signal Corps” do exército americano e as filmagens foram
suspensas.
O
documentário só viria a ser concluído muito tempo depois do final da Guerra, em
1949, contendo, apenas, extratos de três canções de Woody: “Roll Columbia,
Roll”, “Pastures of Plenty” e “The Biggest Thing That Man Has Ever Done”.
O
filme, com apenas 21 minutos de duração, tem interesse histórico e poderá ser
visto no YouTube (“The Columbia”, 1949).
Envio-vos
um pequeno resumo desse filme, com cerca de 5 minutos, do qual constam todas as
partes que contém música de Woody Guthrie.
Mas
se esta experiência de um mês como funcionário público foi produtiva para
Guthrie em termos artísticos, já não o foi tanto no que respeita à sua vida
pessoal.
Terminado
o trabalho manifestou à sua mulher, Mary, o desejo de regressar a Nova Iorque,
de onde tinham saído poucos meses antes, mas ela respondeu-lhe que estava
cansada de andar com a casa às costas a vagabundear de um lado para o outro e
se ele, Woody, queria mesmo regressar a Nova Iorque teria de ir sem ela e sem
os três filhos.
Woody
foi mesmo e, pouco tempo depois, já estava a cantar com Pete Seeger e outros
amigos nos “Almanac Singers”, iniciando-se aí uma nova página na música “Folk”
de intervenção.
Na
conclusão do pequeno filme que vos envio aparece a informação de que “the
26 ballads Guthrie wrote for BPA in 1941 were compiled and released
as a collection known today as “The Columbia River Songs”.
Não
é verdade…
O
disco é este que vos mostro, mas contém, apenas, 17 das 26 canções iniciais.
A
explicação oficial é que a BPA, proprietária das matrizes originais e das letras,
perdeu esses arquivos (pelos vistos estas coisas não acontecem apenas em
Portugal…).
Embora,
posteriormente à data da gravação inicial, a maior parte dessas canções tenha
sido gravada de novo por Woody em diversas ocasiões, outras não o foram e a sua
memória desvaneceu-se…
Conhecendo-se
o hábito de Woody, bem como do seu amigo Pete Seeger, de alterar a letra das
suas canções em função das necessidades do momento, também não existirá a
certeza absoluta de que as versões constantes desta compilação correspondam,
integralmente, às da gravação original.
Para
acompanhar o texto que acabaram de ler escolhi-vos duas canções, que documentam
bem a expectativa com que Woody encarava a construção da barragem:
-
“Pastures of Plenty”, interpretada pelo próprio Woody, que evoca o sonho dessa
abundância de pastagens que possibilitaria uma ocupação e uma vida mais digna
para todos.
-
“Roll on Columbia”, hino ao rio e à sua força para permitir que a escuridão se
transformasse em luz do dia, aqui interpretada por Country Joe McDonald, nesse
álbum de 1969 gravado em perfeito estado de graça que se chama “Thinking of
Woody Guthrie”.
Deixo-vos,
igualmente, as letras, com o alerta de que nem sempre correspondem
integralmente ao que se canta já que, se Woody, neste caso, foi fiel ao que
escreveu, Country Joe salta, por vezes, algumas estrofes.
PASTURES OF
PLENTY
It's a mighty hard row that my poor hands have hoed
My poor feet have traveled a hot dusty road
Out of your Dust Bowl and Westward we rolled
And your deserts were hot and your mountains were cold
I worked in your orchards of peaches and prunes
I slept on the ground in the light of your moon
On the edge of your city you'll see us and then
We come with the dust and we go with the wind
California, Arizona, I harvest your crops
Well its North up to Oregon to gather your hops
Dig the beets from your ground, cut the grapes from
your vine
To set on your table your light sparkling wine
Green pastures of plenty from dry desert ground
From the Grand Coulee Dam where the waters run down
Every state in the Union us migrants have been
We'll work in this fight and we'll fight till we win
It's always we rambled, that river and I
All along your green valley, I will work till I die
My land I'll defend with my life if it be
Cause my pastures of plenty must always be free
ROLL ON
COLUMBIA
Green Douglas firs where the waters cut throug
Down her wild mountains and canyons she flew
Canadian Northwest to the oceans so blue
Roll on Columbia, roll on
Roll on, Columbia, roll on
Roll on, Columbia, roll on
Your power is turning our darkness to dawn
So roll on, Columbia, roll on
Other great rivers add power to you
Yakima, Snake, and the Klickitat, to
Sandy Willamette and Hood River to
So roll on, Columbia, roll on
Tom Jefferson's vision would not let him rest
An empire he saw in the Pacific Northwest
Sent Lewis and Clark and they did the rest
So roll on, Columbia, roll on
It's there on your banks that we fought many a figh
Sheridan's boys in the blockhouse that night
They saw us in death but never in flight
So roll on Columbia, roll on
At Bonneville now there are ships in the locks
The waters have risen and cleared all the rocks
Shiploads of plenty will steam past the docks
So roll on, Columbia, roll on
And on up the river is Grand Coulee Dam
The mightiest thing ever built by a man
To run the great factories and water the land
So roll on, Columbia, roll on
These mighty men labored by day and by night
Matching their strength 'gainst the river's wild
flight
Through rapids and falls, they won the hard fight
So roll on, Columbia, roll on
PS:
A
citação de Woody Guthrie foi retirada do curto texto que acompanha o CD.
Texto de Luís Miguel Mira
1 comentário:
Que maravilha de filme, uma autêntica pérola. Isto é beleza, encanto, vida!
Obrigado.
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