sexta-feira, 28 de agosto de 2020

OLHAR AS CAPAS



21 Retratos do Porto Para o Século XXI

Diversos autores
Coordemação de José da Cruz Santos
Apresentação de Eduardo Lourenço
Capa e Direcção Gráfica de Armando Alves
Edições ASA, Porto, Novembro de 2004

Um dia a Ti Mariana do Ambrósio desceu a rua com o cesto à cabeça e chamou à minha porta:
- Ó Maria?
A minha mãe foi à janela:
- Diz Mariana.
- O teu rapaz está aí?
- Está. Entra.
A Ti Mariana subiu as escadas e, no átimo de transpor a soleira da porta, saudou:
- Deus seja aqui.
- E o diabo em casa do padre – respondeu a minha mãe.
A Ti Mariana depôs o cesto no chão e voltou-se para mim que permanecia sentado à mesa às voltas com um naco de presunto, pão e vinho:
- Isto – e indicou uma cestada de alfarrábios – lá em minha casa, onde ninguém sabe ler, servem apenas para entreter os ratos. Agora, como tu andas lá nos estudos, lembrei-me de que talvez lhes possas dar outro destino.
Por isso tos trouxe. Se os queres muito bem. Se não, fogueira com eles.
- Claro que quero, Ti Mariana. Onde é que a enhora foi desenterrar estes veneráveis incunábulos?
- estes quê?
- estas antiguidades?
- Eram dum meu tio-bisavô padre que, segundo dozem, tinha a sala onde dormia forrada de livros. Mas foram desaparecendo. Restam estes. Agora desocupa-me o cesto que precisos deles para ir às couves.

De um texto de Bento da Cruz.

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