21 Retratos do Porto Para o Século XXI
Diversos autores
Coordemação de José
da Cruz Santos
Apresentação de
Eduardo Lourenço
Capa e Direcção
Gráfica de Armando Alves
Edições ASA, Porto,
Novembro de 2004
Um dia a Ti Mariana do Ambrósio desceu a rua com o cesto à cabeça e
chamou à minha porta:
- Ó Maria?
A minha mãe foi à janela:
- Diz Mariana.
- O teu rapaz está aí?
- Está. Entra.
A Ti Mariana subiu as escadas e, no átimo de transpor a soleira da
porta, saudou:
- Deus seja aqui.
- E o diabo em casa do padre – respondeu a minha mãe.
A Ti Mariana depôs o cesto no chão e voltou-se para mim que permanecia
sentado à mesa às voltas com um naco de presunto, pão e vinho:
- Isto – e indicou uma cestada de alfarrábios – lá em minha casa, onde
ninguém sabe ler, servem apenas para entreter os ratos. Agora, como tu andas lá
nos estudos, lembrei-me de que talvez lhes possas dar outro destino.
Por isso tos trouxe. Se os queres muito bem. Se não, fogueira com eles.
- Claro que quero, Ti Mariana. Onde é que a enhora foi desenterrar
estes veneráveis incunábulos?
- estes quê?
- estas antiguidades?
- Eram dum meu tio-bisavô padre que, segundo dozem, tinha a sala onde
dormia forrada de livros. Mas foram desaparecendo. Restam estes. Agora
desocupa-me o cesto que precisos deles para ir às couves.
De um texto de Bento
da Cruz.
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