Para assinalar os 10
anos do CAIS DO OLHAR, os fins-de-semana estão guardados para lembrar
alguns textos que por aqui foram sendo publicados.
AS CARTAS DO PACHECO
Se existiu alguém que deu trabalho aos Correios de Portugal, Luiz Pacheco está no pelotão da frente.
Através do seu ficheiro
pessoal enviava aos leitores, à cobrança, os livros da Contraponto,
Por tudo e por nada, enviava, cartas e
bilhetes-postais, a meio mundo e parte do outro.
Numa entrevista chegou a observar:
«As pessoas dizem «estou a ler», «tenho
à cabeceira», mas não lêem. Dizem que não têm tempo: não têm é hábitos de
leitura.»
Para os livros da Contraponto Pacheco
não invocava nada.
Lessem ou não lessem, o importante é que
mandassem o guito, para ajudar à sobrevivênciazinha.
Serafim Ferreira, na editora Escritor,
em Maio de 1996, publicou Cartas na
Mesa, que reúne as muitas cartas e postais que Luiz Pacheco lhe
enviou entre 1966 e 1996.
Do prefácio:
«No entanto, talvez seja através das
suas cartas que epistolou com tanta gente ao longo de muitos anos, a propósito
de tudo e de nada) que Luiz Pacheco melhor e mais verdadeiramente dá conta das
suas amarguras, dificuldades, condenações e prisão nas cadeias do Limoeiro ou
das Caldas da Raínha, mas também por aí se revelam as «pedras» brancas no
percurso de um escritor maldito e nem sempre muito bem comportado, que se
coloca na linha daqueles a quem a sorte de alguma forma mal protegeu, não por
ter direito a isso, mas tão-só por entender a literatura como um «propositado
apagamento pessoal», e isso uma e outra vez afirmara nas várias
entrevistas e depoimentos que se conhecem.»
Já em Maio de 1974, Pacheco lança, na
Estampa, Pacheco
Versus Cesariny, um folhetim inventado e montado.
Entre a muita correspondência que por lá
abunda, há uma carta do crítico e escritor Manuel de Lima, que começa assim:
«Acabo de saber, com grande surpresa e
algum alarme que, todas as vezes, que lhe escrevia por uma simples necessidade
de comunicar consigo, estava inadvertidamente a escrever para a história.»
Na conversa que Rui Zink e Carlos
Quevedo mantiveram com Luiz Pacheco, foi-lhe perguntado como tinha surgido a
ideia de fazer um livro a partir de um conjunto de cartas.
Pacheco respondeu:
«No tempo do fascismo, a epistolografia
era considerada um género menor, mas como não havia censura às cartas eu
gostava muito, porque não tinha medo que mas abrissem. Escrevia tudo o que me
apetecia. O Pacheco versus Cesariny é
um documento para quem quiser estudar uma certa época literária portuguesa.
Literária e não só.»
Os jornalistas lembram-lhe que as
pessoas podiam ficar chateadas com a publicação das cartas.
Pacheco não desarma:
«Alguns sim. Mas eu não podia publicar
as minhas cartas e as dos outros sem pôr os nomes. Isso sempre foi um hábito
meu, dar o nome aos bois. Depois, um dia apareceu o Listopad a dizer que nunca
maus me ia escrever nada, porque eu podia publicar as cartas dele, e eu
respondi-lhe que estivesse descansado, as cartas dele não tinham nenhum
interesse literário. Só me interessava quando tinham um cheque lá dentro.
Também, nunca era mais de 100 ou 200 paus…»
Em Fevereiro de 2002, Bernardo de Sá
Nogueira, edição Alexandria, transcreve treze cartas e quatro postais de Luiz
Pacheco para o poeta António José Forte.
O livro chama-se Mano Forte.
O livro chama-se Mano Forte.
Pacheco não gostou.
Na entrevista a João Pedro George,
publicada em O Crocodilo
que Voa, explicou:
«Um tipo sabe que fulano António José
Forte, por exemplo, guardou coisas que lhe mandou, cartas e postais. Guardou,
morreu, foi para às mãos de alguém e depois aquilo representa um valor… e então
vendem… Depois aparece um urubu mais categorizado, com outra perspectiva
empresarial, e faz a edição. Eu em princípio não posso estar contra isso. De
qualquer forma, este livro é uma golpada, é de rabo à mostra…»
Luiz Pacheco no seu Memorando,
Mirabolando, Setembro de 1995 para além de outros textos, publica
cartas enviadas a Mário Cesariny de Vasconcelos, Pepe Blanco, Jaime Aires
Pereira, Jaime Salazar Sampaio, Vitor Silva Tavares e Maria Manuela Ferreira.
Muito mais postais e cartas existirão
por aí espalhados em jornais, jornalecos, revistas, revistecas.
Talvez algum dia se faça a necessária
divulgação de toda essa correspondência.
Talvez…
Texto publicado em 15 de Dezembro de 2016.
Texto publicado em 15 de Dezembro de 2016.
Legenda: pintura de William Albanese
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