domingo, 16 de agosto de 2020

ANTOLOGIA DO CAIS


Para assinalar os 10 anos do CAIS DO OLHAR, os fins-de-semana estão guardados para lembrar alguns textos que por aqui foram sendo publicados.

AS CARTAS DO PACHECO

Se existiu alguém que deu trabalho aos Correios de Portugal, Luiz Pacheco está no pelotão da frente.

Através do seu ficheiro pessoal enviava aos leitores, à cobrança, os livros da Contraponto,

Por tudo e por nada, enviava, cartas e bilhetes-postais, a meio mundo e parte do outro.

Numa entrevista chegou a observar:

«As pessoas dizem «estou a ler», «tenho à cabeceira», mas não lêem. Dizem que não têm tempo: não têm é hábitos de leitura.»

Para os livros da Contraponto Pacheco não invocava nada.

Lessem ou não lessem, o importante é que mandassem o guito,  para ajudar à sobrevivênciazinha.

Serafim Ferreira, na editora Escritor, em Maio de 1996, publicou Cartas na Mesa, que reúne as muitas cartas e postais que Luiz Pacheco lhe enviou entre 1966 e 1996.

Do prefácio:

«No entanto, talvez seja através das suas cartas que epistolou com tanta gente ao longo de muitos anos, a propósito de tudo e de nada) que Luiz Pacheco melhor e mais verdadeiramente dá conta das suas amarguras, dificuldades, condenações e prisão nas cadeias do Limoeiro ou das Caldas da Raínha, mas também por aí se revelam as «pedras» brancas no percurso de um escritor maldito e nem sempre muito bem comportado, que se coloca na linha daqueles a quem a sorte de alguma forma mal protegeu, não por ter direito a isso, mas tão-só por entender a literatura como um «propositado apagamento pessoal», e isso uma e outra vez afirmara nas várias entrevistas  e depoimentos que se conhecem.»

Já em Maio de 1974, Pacheco lança, na Estampa, Pacheco Versus Cesariny, um folhetim inventado e montado.

Entre a muita correspondência que por lá abunda, há uma carta do crítico e escritor Manuel de Lima, que começa assim:

«Acabo de saber, com grande surpresa e algum alarme que, todas as vezes, que lhe escrevia por uma simples necessidade de comunicar consigo, estava inadvertidamente a escrever para a história.»

Na conversa que Rui Zink e Carlos Quevedo mantiveram com Luiz Pacheco, foi-lhe perguntado como tinha surgido a ideia de fazer um livro a partir de um conjunto de cartas.

Pacheco respondeu:

«No tempo do fascismo, a epistolografia era considerada um género menor, mas como não havia censura às cartas eu gostava muito, porque não tinha medo que mas abrissem. Escrevia tudo o que me apetecia. O Pacheco versus Cesariny é um documento para quem quiser estudar uma certa época literária portuguesa. Literária e não só.»

Os jornalistas lembram-lhe que as pessoas podiam ficar chateadas com a publicação das cartas.

Pacheco não desarma:

«Alguns sim. Mas eu não podia publicar as minhas cartas e as dos outros sem pôr os nomes. Isso sempre foi um hábito meu, dar o nome aos bois. Depois, um dia apareceu o Listopad a dizer que nunca maus me ia escrever nada, porque eu podia publicar as cartas dele, e eu respondi-lhe que estivesse descansado, as cartas dele não tinham nenhum interesse literário. Só me interessava quando tinham um cheque lá dentro. Também, nunca era mais de 100 ou 200 paus…»

Em Fevereiro de 2002, Bernardo de Sá Nogueira, edição Alexandria, transcreve treze cartas e quatro postais de Luiz Pacheco para o poeta António José Forte. 

O livro chama-se Mano Forte.

Pacheco não gostou.

Na entrevista a João Pedro George, publicada em O Crocodilo que Voa, explicou:

«Um tipo sabe que fulano António José Forte, por exemplo, guardou coisas que lhe mandou, cartas e postais. Guardou, morreu, foi para às mãos de alguém e depois aquilo representa um valor… e então vendem… Depois aparece um urubu mais categorizado, com outra perspectiva empresarial, e faz a edição. Eu em princípio não posso estar contra isso. De qualquer forma, este livro é uma golpada, é de rabo à mostra…»

Luiz Pacheco no seu Memorando, Mirabolando, Setembro de 1995 para além de outros textos, publica cartas enviadas a Mário Cesariny de Vasconcelos, Pepe Blanco, Jaime Aires Pereira, Jaime Salazar Sampaio, Vitor Silva Tavares e Maria Manuela Ferreira.

Muito mais postais e cartas existirão por aí espalhados em jornais, jornalecos, revistas, revistecas.

Talvez algum dia se faça a necessária divulgação de toda essa correspondência.

Talvez…

Texto publicado em 15 de Dezembro de 2016.

Legenda: pintura de William Albanese

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