Para assinalar os 10
anos do CAIS DO OLHAR, os fins-de-semana estão guardados para lembrar
alguns textos que por aqui foram sendo publicados.
ÓCULOS DE SOL
os meus verões são tão diversos como diversa tem sido toda a minha vida arroz de pimentos e pasteis de bacalhau aos domingos até algés ou cruz quebrada, o mar da infância ficava longe castelos na areia anos mais tarde dois meses na trafaria em casa alugada a pescadores, quando as férias eram grandes uma juke box na esplanada do marques o lucho gatica a cantar o moliendo café o marino marini a cantar honeymoon também um barrote espetado no meio do areal, um alti-falante no topo a ouvir-se o armando marques ferreira a apresentar o programa da manhã do rádio clube português as canções das praias de todos os anos kanimambo pelo joão maria tudela a lenda da conchinha da celly campelo o ouro negro setembro chegou vamo-nos separar os golfinhos a percorrer o tejo a caminho da barra os bailes de despedida dos banhistas no salão de festas dos bombeiros e agora senhoras minhas meus senhores o conjunto faz um pequeno intervalo damas ao bufete um enorme alguidar de zinco cheio de gelo e garrafas de vinho branco camilo alves, cada taça vinte e cinco tostões dois para a esquerda um para a direita directrizes para o pezudo que sempre fui as férias da infância não se repetem o ruy belo que esperava pelo verão como por outra vida depois passei a odiar, o verão dou-me muito mal com o calor longe muito longe da sophia que dizia que metade da vida dela era maresia e eu a acreditar baixinho que o verão é um território do pecado, todos os pecados se confundem e de pecados fujo a sete pés e gozar que nem um perdido com a marilyn monroe num filme do billy wilder a dizer ao vizinho de baixo que se vai vestir à cozinha, o vizinho na cozinha porquê e ela a dizer que no verão anda nua pela casa e põe as cuecas no congelador o verão prestes a chegar o meu pai a dizer-me que em setembro voltamos a ser gente e sempre sempre os gatos selvagens e o verão a chegar sur la plage por fim mas não como último sinal há longos anos que deixei de passar férias e apenas sinto que as férias é que passam por mim a uma velocidade tão louca e muito longe da calma e serenidade das férias do sr. hulot ou brigitte bardot em 1955 de biquíni em saint-tropez, aquele grande sorriso e o resto que poderá ser um refresco de limão, muito gelo um dedal de gin e lembrar-me ainda que nunca usei óculos de sol
Texto publicado em 1 de Agosto de 2016
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