Para assinalar os 10
anos do CAIS DO OLHAR, os fins-de-semana estão guardados para lembrar
alguns textos que por aqui foram sendo publicados.
ATIRAVA-SE
PARA CIMA DAS CADEIRAS
O dia 3 de Agosto de 1968 acordou radioso de sol brilhante.
Salazar passava
um curto período de férias no forte de Santo António no Estoril.
Nessa manhã, o calista Hilário
preparava-se para fazer o seu trabalho e Salazar, com o Diário de
Notícias na mão, sentou-se numa cadeira de lona.
Acabou por cair e bater com a cabeça nas
pedras da esplanada do Forte.
A governanta Maria de Jesus, e o calista
logo acorreram para o ajudarem a levantar-se e Salazar pede que nada digam
sobre a queda e que não chamem o médico.
São variadas as versões sobre a queda de
Salazar.
Desequilíbrio?
Descuido?
A cadeira, por debilidade da armação de
madeira ou da própria lona, não se encontrava nas melhores condições?
A versão de Manuel Marques, barbeiro de
Salazar:
Tinha a mania de se sentar atirando-se
para cima das cadeiras, dizem os seus próximos, opinião corroborada por
diversos médicos que explicam que, aos 79 anos, e com uma vida sedentária como
era a sua, por falta de musculatura nas pernas, teria tendência de se sentar
num movimento de quem se deixa cair.
Mas há fontes que rezam que nem cadeira
havia e apenas aconteceu uma daquelas macacoas, a que qualquer
homem, perto dos 80 anos, está sujeito.
Mais: que o episódio ocorreu a 5 e não a
3 de Agosto.
Com ou sem cadeira, a 3 ou 5 de Agosto o
importante é que a queda de uma cadeira faz com que a vida de um país começasse
a mudar.
José Saramago, no seu livro Objecto
Quase, descreve maravilhosamente este episódio da História
portuguesa. Chamou-lhe Cadeira e, se ainda não conhecem o
conto, podem lê-lo aqui.
Nas suas Memórias Rómulo
de Carvalho relata aos filhos dos netos dos meus netos, a
queda do ditador Oliveira Salazar:
Costumava o nosso homem, para descansar
o corpo, e especialmente o cérebro, do assédio das preocupações da governação,
sentar-se, olhando o mar, no isolamento pastosos de uma esplanada do forte de
Santo António do Estoril, situado na linha das praias, a pouca distância de
Lisboa. Aí, só, irremediavelmente só, aconchegava-se na cadeira de repouso,
cerrava as pálpebras e dormitava na paz do Senhor, embalado pelo sussurro das
águas.
Numa tarde de Agosto de 1968, Salazar,
já com os seus setenta e nove anos, dirigiu seus passos lentos para a sua
cadeira de descanso. Sentia-se cansado, certamente, e desejoso de abandonar o
corpo àquele seu habitual conforto. Descuidadamente, com o à vontade de quem
está só, Salazar deixou cair o corpo em peso sobre a cadeira. Foi um momento
histórico. A cadeira estalou, partiu-se, desconjuntou-se e estatelou o corpo do
ditador no lajedo do forte, enquanto as águas do Tejo, mansamente, se alongavam
nas areias da praia sussurrando.
Texto
publicado no dia 3 de Agosto de 2013.
Legenda: fotografia, datada de 1962, da
autoria de Eduardo Gageiro.
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