quinta-feira, 13 de agosto de 2020
INTERIOR
As coisas que entram pelo silêncio começam a chegar ao quarto. Sabemo-lo porque deixamos esquecidos lá dentro os nossos olhos. A solidão chega pelos espelhos vazios; a morte desce dos quadros, quebrando suas vitrinas de museu; os recantos abrem-se como romãs para que entre o grilo com seus alfinetes; e, embora nos esqueçamos de apagar a luz, a escuridão dá uma luz negra mais potente, que eclipsa a outra.
Mas não são estas as coisas que entram pelo silêncio, mas outras ainda mais subtis; se não tivéssemos deixado a boca também esquecida, saberíamos dizer seus nomes. Para sugeri-las, os preceptistas aconselham a falar de paralelas, que, sem deixar de o ser, se encontram e se beijam. Mas as crianças que resolvem equações do segundo grau suicidam-se sempre logo que chegam aos oitenta anos; e preferimos por isso olhar sem nomes o que entra pelo silêncio, e deixar que todos continuem a afirmar que dois e dois são quatro.
Gilberto Owen em Rosa do Mundo, tradução de José Bento
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