Quando
naquele Verão de 1927, há 93 anos, A.P, Sara e Maybelle Carter saíram de casa
ao encontro de Ralph Peer, em Bristol, partiram de um lugar que então se
chamava Maces Springs e hoje se chama Hiltons.
Embora
saiba que, na altura, este vale se chamava “Poor Valey”, não sei como é que se
chamavam os caminhos de Maces Springs, mas decerto que não se chamavam “A.P
Carter Highway”, nem tinham nomes de canções que eles cantavam, “Wildwood
Flower” e “Anchored in Love”, como sucede nos dias de hoje.
Também
não sei como é que toda esta região se encontrava há 93 anos atrás, mas sei que
o que por lá encontrei, agora, é muito bonito.
Uma
estrada ladeada de colinas verdejantes, incrustadas nas quais se veem algumas
casas que se integram perfeitamente na paisagem, sem as estragarem como tantas
vezes sucede no nosso Minho com as casas “tipo Maison”…
Como
alguém uma vez disse, este local é “sacred ground”.
A
memória da Carter Family está no ar porque aqui, a curta distância uns dos
outros, existem vários edifícios intimamente relacionados com a sua História.
A
casa de A.P e Sara, bem como a de Maybelle Carter, ficam aqui muito perto, no
sopé da Clinch Mountain, mas não são visitáveis porque permanecem habitadas
pelos seus descendentes.
O
edifício mais antigo é a cabana de madeira onde A.P. Carter nasceu, que data de
1880. Originalmente não se encontrava no local onde está hoje mas bastante mais
acima, nas colinas, num lugar de difícil acesso.
Lá
perto está o “A.P Carter Grocery”, que A. P. construiu em meados dos anos 40,
após a formação original da Carter Family se ter desmembrado, e que era uma
espécie de loja/escritório onde ele passou a gerir os seus negócios de
comerciante.
Pouco
antes de morrer, em 1960, A.P. terá pedido à sua filha Janete para que os seus
descendentes nunca deixassem de cantar as velhas canções da maneira como elas
eram cantadas no passado (“I want you to continue the Music the
way we did it…”) e, muitos anos mais tarde, em 1974, Janete começou a
organizar aqui serões musicais ao sábado à noite, para preservar a memória da
Carter Family e de toda essa “old time music”.
O
preço era simbólico (1,5 dólar para adultos e 50 cêntimos para as crianças,
como poderão ver numa das fotografias que vos mostro…), o sucesso foi grande e
rapidamente o local se tornou demasiado reduzido para albergar tanta gente.
Por
esse motivo foi desenhado e construido de raiz um novo edifício de madeira a
que se chamou “Carter Family Fold”, inaugurado em 1979, no qual se passaram a
realizar as referidas sessões de sábado à noite.
Quanto
ao “Grocery”, foi transformado num museu destinado a preservar a memória da
Carter Familt neste local, ao qual foi dado o nome de “The Carter Family
Memorial Music Center”.
O
“Carter Family Fold” é uma casa de espetáculos à moda antiga e, como referi,
organiza sessões todos os sábados à noite, exclusivamente de música acústica.
Até 2006, ano em que faleceu, toda a organização estava a cargo de Janete
Carter, mas após a sua morte, e até hoje, foi a sua filha Rita Forrester quem
assumiu essa responsabilidade
Parece
mais pequeno do que na realidade é, já que tem lugar para 800 pessoas sentadas.
Defronte do palco tem um largo espaço para dança, ao bom estilo das antigas
“barn dances” dos Apalaches que, literalmente, eram os bailes realizados nos
celeiros das casas, único local onde conseguiam arranjar um espaço grande com
chão de madeira, para realçar o som do sapateado.
O
primo Johhny Cash era um “habitué” do “Carter Fold” e aí realizou um dos seus
programas de Natal para a televisão, em 1983, o que obrigou a obras para
alargamento do palco. Atuaria lá pela última vez em 2003, seis meses antes de
falecer.
Outras
figuras de nomeada também passaram pelo “Fold” mas, na sua essência, ele é
destinado aos talentos locais, que continuam a proliferar nos Apalaches.
Todos
os anos, no primeiro fim de semana de Agosto, tem aqui lugar um “Carter Family
Memorial Festival” onde toda a gente se mistura, desde cantores de nomeada aos
anónimos locais.
Se
quiserem ter uma ideia do ambiente simpático e familiar que se pode encontrar
no “Carter Fold” num sábado à noite, vão ao YouTube e selecionem “Saturday
Night at The Carter Family Fold”.
O
que eu não daria por poder assistir a uma sessão, mas não sabia que tinham
lugar unicamente ao sábado...
Se
o soubesse, decerto que teria tentado programar a viagem de maneira a poder
ficar por aqui.
Mas
não sabia e, embora com muita pena, tive de bater asas e atravessar os
Apalaches a caminho de Asheville, na Carolina do Norte, que ainda ficava a uns
bons 150 kms de distância.
Mas
são umas belas memórias que guardo, estas, dessa tarde em que me passeei no
jardim da Carter Family.
Quanto
a nós, agora que vimos a “Country Music” nascer e dar os primeiros passinhos,
está a chegar a hora de nos metermos à estrada a caminho de Nashville.
Mas
ainda faremos outras peregrinações antes de lá chegar...
2 comentários:
Estas crónicas do Luís Miguel Mira fazem-me recuar trinta anos, aos meus tempos de adolescência, quando "via" tudo isto nos livros do John Steinbeck.
Se as crónicas do Luís Miguel Mira lhe lembram as leituras que fez de John Steinbeck, oportunamente, irei publicar aqui duas/três crónicas que ele fez sobre John Steinbeck e que constam do seu livro «Crónicas da América - na Rota dos Grandes Espaços da Música e do Cinema», editado em Março de 2010 pela Fonta da Palavra».
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