terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

OLHAR AS CAPAS



O Passageiro do Expresso
Peça em 4 Cenas

José Rodrigues Miguéis
Estúdios Cor, Lisboa, Dezembro de 1960

Tenho pago em suores e agonias o mal que fiz.
E estou cada vez mais pobre e mais desgraçado. Agora tu, que não cês em Deus e frequentas a Igreja: tu, que arruinaste um sem-fim de infelizes, e fazes donativos a instituições de caridade; tu, que desprezas a Mulher, e tens gozado e explorado todas as mulheres que cobiçaste – tu, que nunca te apiedaste nem sofreste, que nunca soubeste o que era o Amor, que fizeste de mim, de todos os teus semelhantes, a escada que te levou à riqueza e ao poder – tu és cada dia mais rico e mais feliz! Não tens remorsos, não sofres, vives tranquilo! Hã? Só hoje compreendo que foste sempre um insulto à minha fraqueza e à minha miséria. Talvez a causa delas! Não foras tu, e eu teria aceitado naturalmente a vida, teria sido honrado e contente. Os teus triunfos deram-me a noção duma Injusta Imanente, fizeram de mim um revoltado. Vim aqui esta noite, contra vontade, a teu convite para aprender que se tu me desprezaste sempre te odiei como o escravo odeia as suas cadeias! Qyue dizes tu a isto? Não respondes?

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