domingo, 26 de fevereiro de 2017

VISITA DE MÉDICO AOS SUICIDAS


Parecia-me que andava em visita de médico aos suicidas. Akutagawa. Dazai. Plath. Mortos pela água, por barbitúricos e por monóxido de carbono; Sylvia Plath matou-se na cozinha do seu apartamento em Londres, no dia 11 de Fevereiro de 1963. Tinha trinta anos. Foi um dos invernos mais frios de que há memória em Inglaterra. Tinha estado a nevar desde o Boxing Day e a neve atingia uma grande altura nas valetas. O rio Tamisa estava gelado e as ovelhas morriam à fome nas montanhas. O seu marido, o poeta Ted Hughes, tinha-a deixado. Os filhos estavam cuidadosamente aconchegados nas suas camas. Sylvia meteu a cabeça no forno. Treme-se só de pensar na situação de uma existência capaz de chegar a um desencanto tão radical. O cronómetro marca o tempo. Ainda restam alguns momentos, a possibilidade de ainda poder viver, de desligar o gás. Imagino o que terá passado pela sua cabeça naqueles minutos: os seus filhos, o embrião de um poema, o marido mulherengo a barrar uma tosta ao pé de outra mulher. Pergunto-me o que terá acontecido ao forno. Talvez o inquilino seguinte tenha ficado com um fogão impecavelmente limpo, um enorme relicário da última reflexão de um poeta e um fio de cabelo castanho-claro preso numa dobradiça de metal.

Patti Smith em MTrain

Legenda: Sylvia Plath

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