A ironia era, talvez, a característica mais imediata
do seu temperamento, da maneira de exprimir o pensamento na atitude diária.
Atitude esta que não é nem fácil de entender, nem fácil de aceitar. A ironia é
uma arte subtil e revela, em primeira instância, sábio tratamento e aplicação
das palavras. Requer sinais de inteligência imediata para se poder perceber se
é elogio, se é crítica, se é sarcasmo. Mas no caso de Rómulo, a ironia era
incrivelmente sedutora, porque nunca, por nunca ser magoava. Não eram pedradas
palavrosas nem gracejos desajustados. Era a fina ironia, a elegante, e mesmo
que fosse para contrariar ou apreciar ou criticar negativamente, Rómulo falava
de maneira tal que ninguém se sentia tocado ou ofendido. Pelo contrário, percebia-se
muito bem o que poderia estar mal. E os acontecimentos incomuns na família ou
na profissão eram contados e traduzidos de um modo completamente diferente do
habitual, com palavras distintas e divertidas, embora por vezes de compreensão
complexa a quem estivesse alheado do assunto ou fosse menos atento.
A sua caricatura mais interessante foi um desenho
feito por ele próprio, um autorretrato, em que expõe uns olhos enormes e
redondos sob uma testa cheia de rugas. Na cabeça calva sobressai um único e
pelo, um rebelde resistente.
Uma grande graça irónica dele próprio.
Cristina
Carvalho em Rómulo de Carvalho/António Gedeão, Príncipe Perfeito.
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