O escultor José
Dias Coelho foi assassinado pela PIDE no dia 19 de Dezembro de 1961, na Rua da
Creche, rua que hoje tem o seu nome, junto ao Largo do Calvário.
O assassinato
está assinalado na canção de José Afonso “A Morte Saiu à Rua”do álbum “Eu
Vou Ser Como a Toupeira", gravado em 1972.
Antes de ser
assassinado, José Dias Coelho estivera em casa de Mário Castrim que, na altura,
morava na Rua Luís de Camões, perto da estação dos carros eléctricos de Santo
Amaro.
No livro “Viagens”,
o poema “Viagem Através de Uma Fatia de Bolo-Rei”, Mário
Castrim assinala esses últimos momentos de vida de José Dias
Coelho:
Corria o ano de 1961.
Estávamos à porta do Natal.
Eram quase duas horas da manhã
Estávamos à porta do Natal.
Eram quase duas horas da manhã
e eu perguntei-lhe
se queria comer alguma coisa.
Disse que sim. Mas que
estava com muita pressa.
Enquanto vestia a gabardina, trouxe-lhe
uma sanduíche de fiambre
um copo de vinho
uma fatia de bolo-rei.
Estava de pé
comia como se fosse a primeira vez
desde a infância.
- Há quantos anos
deixa cá ver
há quantos anos é que eu não comia
bolo-rei?
Este é bom, sabe a erva-doce
e a ovos.
(Caíam-lhe migalhas
aparava-as com a outra mão
em concha)
- Comes outra fatia, camarada?
- Isso não.
Estou atrasado já.
Mas se ma embrulhasses...
Através da janela
do quarto às escuras
fico a vê-lo atravessar a Rua da Creche
seguir pela Rua dos Lusíadas.
Nenhum de nós sabia
que estava já erguida a pirâmide do silêncio
à espera dele
num breve prazo.
Quando talvez o gosto do bolo-rei
mais forte do que nunca
tivesse ainda na boca.
Funcionário
clandestino do Partido Comunista, José Dias Coelho seguia pela Rua dos
Lusíadas, quando cinco agentes da PIDE, saltaram de um automóvel e
alvejaram-no, à queima-toupa, com um tiro no peito, e dispararam outro tiro
quando já se encontrava por terra.
No nº
9, referente a Março de 1962, de “Notícias do Bloqueio”, Pedro Alvim, no poema
intitulado “Lisboa”, refere o assassínio de Dias Coelho:
4 – Alcântara
Há quem tombe por um rio
Impetuoso e comum:
Alcântara dos tiros cegos
Alcântara sessenta e um.
No dia 24 de
Novembro de 1976, começava, no 1º Tribunal Militar Territorial de Lisboa, o
julgamento do ex-agente da PIDE António Domingues, acusado de ter assassinado
José Dias Coelho, julgamento que só terminaria no ano seguinte:
Na 1ª página do “Diário
de Notícias”, de 6 de Janeiro de 1977, lia-se:
“O antigo agente da PIDE/DGS António Domingues,
responsável pela morte do escultor comunista José Dias Coelho, foi, ontem,
condenado em três anos e nove meses de prisão maior. Perdoados 90 dias e tomado
em conta o tempo de prisão preventiva que já sofreu, desde 1974, vai o réu
cumprir apenas mais cerca de 10 meses de cadeia. O tribunal (3ºTMTL) considerou
não ter havido homicídio voluntário, mas apenas “ofensa corporal voluntária, de
que resultou a morte “praeter-intencional”. Dado como provado o disparo de dois
tiros, o último dos quais com a arama “muito próxima da roupa da vítima, a
sentença foi recebida pela assistência com uma manifestação de protesto.”
No editorial do
“Diário de Lisboa," também de 6 de Janeiro, lia-se:
“Na verdade, reconhece-se a legitimidade da
“profissão” de assassino de adversários políticos de um regime. É um insulto à
memória de José Dias Coelho.
Um insulto aos mortos e aos vivos da resistência
antifascista.
Um insulto ao 25 de Abril.”
Legenda: A
imagem de topo é uma gravura de José Dias Coelho, representando o operário
Cândido Martins, assassinado na frente da manifestação do Barreiro contra a
burla eleitoral e publicada no “Avante” nº 130 de Novembro de
1961. Para a que seria a sua última gravura, José Dias Coelho escreveu: “De
todas as sementes deitadas à terra, é o sangue derramado pelos mártires que faz
levantar as mais copiosas searas”
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