quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

UM BRINDE A COISA NENHUMA


Tentei ligar um percurso através dos salpicos ténues na neve, mas continuavam a surgir dispersos e quando abri  os olhos já estavam totalmente dissipados. Tateei à procura do comando da televisão e liguei-a, tendo o cuidado de evitar os balanços relativos ao ano anterior ou as perspectivas para o Ano Novo. A surdina aconchegante de uma maratona de episódiso da série Lei e Ordem era exactamente o que eu precisava. O detetive Lennie Brisoe tinha obviamente recomeçado a beber e fitava o fundo de um copo de uísque de terceira categoria. Levantei-me, deitei um pouco de mescal num pequeno copo de água e sentei-me à beira da cama a bebê-lo ao mesmo tempo que ele, observando num silêncio entorpecido mais uma repetição de outra repetição. Faço um brinde ao Ano Novo, mas é um brinde a coisa nenhuma.
Imaginei o meu casaco preto a vir bater-me no ombro.
- Desculpa, velho amigo – disse eu -, mas andei mesmo à tua procura, sabes’
Chamei mas não ouvi resposta; cumprimentos de onda desnivelados diminuíram qualquer esperança de averiguar o seu paradeiro. É assim que acontece com o chamamento e a capacidade de ouvir. Abraão ouviu o chamamento de Deus. Jane Eyre ouviu os gritos suplicantes de Mr. Rochester. Mas eu estava surda em relação ao meu casaco.


Patti Smith em M Train.

Sem comentários: