Tentei ligar um percurso através dos salpicos ténues
na neve, mas continuavam a surgir dispersos e quando abri os olhos já estavam totalmente dissipados.
Tateei à procura do comando da televisão e liguei-a, tendo o cuidado de evitar
os balanços relativos ao ano anterior ou as perspectivas para o Ano Novo. A
surdina aconchegante de uma maratona de episódiso da série Lei e Ordem era exactamente
o que eu precisava. O detetive Lennie Brisoe tinha obviamente recomeçado a
beber e fitava o fundo de um copo de uísque de terceira categoria. Levantei-me,
deitei um pouco de mescal num pequeno copo de água e sentei-me à beira da cama
a bebê-lo ao mesmo tempo que ele, observando num silêncio entorpecido mais uma
repetição de outra repetição. Faço um brinde ao Ano Novo, mas é um brinde a
coisa nenhuma.
Imaginei o meu casaco preto a vir bater-me no ombro.
- Desculpa, velho amigo – disse eu -, mas andei mesmo
à tua procura, sabes’
Chamei mas não ouvi resposta; cumprimentos de onda
desnivelados diminuíram qualquer esperança de averiguar o seu paradeiro. É
assim que acontece com o chamamento e a capacidade de ouvir. Abraão ouviu o
chamamento de Deus. Jane Eyre ouviu os gritos suplicantes de Mr. Rochester. Mas
eu estava surda em relação ao meu casaco.
Patti Smith em M Train.
Legenda: Lennie Brisoe, Law & Order
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