“Orespeitinho é muito lindo e nós somos um povo de respeito, né filho? Nós somos um povo de respeitinho muito lindo
(…)
Entretém-te filho, entretém-te! Deixa-te de políticas que a tua política é o trabalho, trabalhinho, porreirinho da Silva, e salve-se quem puder que a vida é curta e os santos não ajudam quem anda para aqui a encher pneus com este paleio de sanzala e ritmo de pop-xula, não é filho?
(…)
Eu quero morrer, eu quero que se foda o FMI, eu quero lá saber do FMI, eu quero que o FMI se foda, eu quero lá saber que o FMI me foda a mim,
Eu quero morrer, eu quero que se foda o FMI, eu quero lá saber do FMI, eu quero que o FMI se foda, eu quero lá saber que o FMI me foda a mim,
(…)
o FMI é só um pretexto vosso seus cabrões, o FMI não existe, o FMI nunca aterrou na Portela coisa nenhuma, o FMI é uma finta vossa para virem para aqui com esse paleio, rua, desandem daqui para fora, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe...
Mãe, eu quero ficar sozinho... mãe, não quero pensar mais... mãe, eu quero morrer mãe.
Eu quero desnascer, ir-me embora, sem ter que me ir embora. Mãe, por favor, tudo menos a casa em vez de mim, outro maldito que não sou senão este tempo que decorre entre fugir de me encontrar e de me encontrar fugindo, de quê mãe? Diz, são coisas que se me perguntem? Não pode haver razão para tanto sofrimento. E se inventássemos o mar de volta, e se inventássemos partir, para regressar. Partir e aí nessa viagem ressuscitar da morte às arrecuas que me deste. Partida para ganhar, partida de acordar, abrir os olhos, numa ânsia colectiva de tudo fecundar, terra, mar, mãe... lembrar como o mar nos ensinava a sonhar alto, lembrar nota a nota o canto das sereias, lembrar o depois do adeus, e o frágil e ingénuo cravo da Rua do Arsenal, lembrar cada lágrima, cada abraço, cada morte, cada traição, partir aqui com a ciência toda do passado, partir, aqui, para ficar...
Assim mesmo, como entrevi um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o azul dos operários da Lisnave a desfilar, gritando ódio apenas ao vazio, exército de amor e capacetes, assim mesmo na Praça de Londres o soldado lhes falou: Olá camaradas, somos trabalhadores, eles não conseguiram fazer-nos esquecer, aqui está a minha arma para vos servir. Assim mesmo, por detrás das colinas onde o verde está à espera se levantam antiquíssimos rumores, as festas e os suores, os bombos de lava-colhos, assim mesmo senti um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o bater inexorável dos corações produtores, os tambores. De quem é o carvalhal? É nosso! Assim te quero cantar, mar antigo a que regresso. Neste cais está arrimado o barco sonho em que voltei. Neste cais eu encontrei a margem do outro lado, Grândola Vila Morena. Diz lá, valeu a pena a travessia? Valeu pois.
Pela vaga de fundo se sumiu o futuro histórico da minha classe, no fundo deste mar, encontrareis tesouros recuperados, de mim que estou a chegar do lado de lá para ir convosco. Tesouros infindáveis que vos trago de longe e que são vossos, o meu canto e a palavra, o meu sonho é a luz que vem do fim do mundo, dos vossos antepassados que ainda não nasceram. A minha arte é estar aqui convosco e ser-vos alimento e companhia na viagem para estar aqui de vez. Sou português, pequeno burguês de origem, filho de professores primários, artista de variedades, compositor popular, aprendiz de feiticeiro, faltam-me dentes. Sou o Zé Mário Branco, 37 anos, do Porto, muito mais vivo que morto, contai com isto de mim para cantar e para o resto.”
Mãe, eu quero ficar sozinho... mãe, não quero pensar mais... mãe, eu quero morrer mãe.
Eu quero desnascer, ir-me embora, sem ter que me ir embora. Mãe, por favor, tudo menos a casa em vez de mim, outro maldito que não sou senão este tempo que decorre entre fugir de me encontrar e de me encontrar fugindo, de quê mãe? Diz, são coisas que se me perguntem? Não pode haver razão para tanto sofrimento. E se inventássemos o mar de volta, e se inventássemos partir, para regressar. Partir e aí nessa viagem ressuscitar da morte às arrecuas que me deste. Partida para ganhar, partida de acordar, abrir os olhos, numa ânsia colectiva de tudo fecundar, terra, mar, mãe... lembrar como o mar nos ensinava a sonhar alto, lembrar nota a nota o canto das sereias, lembrar o depois do adeus, e o frágil e ingénuo cravo da Rua do Arsenal, lembrar cada lágrima, cada abraço, cada morte, cada traição, partir aqui com a ciência toda do passado, partir, aqui, para ficar...
Assim mesmo, como entrevi um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o azul dos operários da Lisnave a desfilar, gritando ódio apenas ao vazio, exército de amor e capacetes, assim mesmo na Praça de Londres o soldado lhes falou: Olá camaradas, somos trabalhadores, eles não conseguiram fazer-nos esquecer, aqui está a minha arma para vos servir. Assim mesmo, por detrás das colinas onde o verde está à espera se levantam antiquíssimos rumores, as festas e os suores, os bombos de lava-colhos, assim mesmo senti um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o bater inexorável dos corações produtores, os tambores. De quem é o carvalhal? É nosso! Assim te quero cantar, mar antigo a que regresso. Neste cais está arrimado o barco sonho em que voltei. Neste cais eu encontrei a margem do outro lado, Grândola Vila Morena. Diz lá, valeu a pena a travessia? Valeu pois.
Pela vaga de fundo se sumiu o futuro histórico da minha classe, no fundo deste mar, encontrareis tesouros recuperados, de mim que estou a chegar do lado de lá para ir convosco. Tesouros infindáveis que vos trago de longe e que são vossos, o meu canto e a palavra, o meu sonho é a luz que vem do fim do mundo, dos vossos antepassados que ainda não nasceram. A minha arte é estar aqui convosco e ser-vos alimento e companhia na viagem para estar aqui de vez. Sou português, pequeno burguês de origem, filho de professores primários, artista de variedades, compositor popular, aprendiz de feiticeiro, faltam-me dentes. Sou o Zé Mário Branco, 37 anos, do Porto, muito mais vivo que morto, contai com isto de mim para cantar e para o resto.”
José Mário Branco excertos de “FMI”
Nota do Editor:
Num texto constante deste LP, José Mário Branco esclarece que a “concepção e composição de “Ser Solidário” ficou pronta em Março de 1979. O projecto inicial era um duplo os mesmo quinze temas mais o FMI. Ousado. Dos contactos com as editoras ficou uma lição: quanto mais interessadas se mostravam, tanto mais tempo levavam a responder não. (…) Até que, em Abril de 1981, a recém-criada #Edisom” aceitou o projecto: um duplo, com o FMI em single. Mesmo assim houve que esperar até 1982”
.
A edição em CD de “Ser Solidário” (1996) inclui o “FMI”
Sem comentários:
Enviar um comentário