Por estranho que pareça, para os ingénuos, sábios, inocentes, habituais clientes do café do bairro, onde tudo se discute, por vezes acaloradamente, as conversas de hoje giravam à volta, não da troika e do que aí vem, mas do casamento real entre Kate e William, em televisor aberto, e da noite europeia jogada na véspera.
Decididamente, estes portugueses não têm emenda.
Declarado o espanto (?) volto-me para uma visita habitual desta casa: o jornalista Manuel António Pina.
Sempre entendi que, quando há quem diga as coisas melhor do que possa agora escrever, o que não é nada difícil, não hesitações e o que de imediato há a fazer, é chutar a opinião.
Esta é a crónica de Manuel António Pina, hoje, no “Jornal de Notícias”:
“Pergunto-me até que ponto é um acto sério a apresentação, por qualquer dos partidos que se propõem governar o país em coligação com o FMI, de um programa eleitoral, se o "programa" desses partidos está a ser preparado pela "troika" da intervenção externa, será comum a todos eles e não irá a votos.
Os programas eleitorais são rituais que, consagrados pelo uso em alturas de eleições, ninguém, sobretudo os eleitores (partindo da improvável hipótese de que algum eleitor os leia), leva a sério. Os partidos exteriores ao chamado "arco da governação" podem dar aí largas ao sonho e ao ressentimento já que a realidade, o que quer que isso seja, não lhes irá pedir contas; mas também os partidos ditos de governo podem prometer o que quiserem pois tais promessas estarão sempre pendentes de uma espécie de cláusula "rebus sic stantibus" que, por um motivo ou por outro (desde a situação em que encontraram o país à situação em que o Mundo se encontra), também se tornou uso os partidos invocarem mal chegam ao poder.
Nas actuais circunstâncias, porém, um programa eleitoral é menos ainda: é um exercício de ficção. Principalmente se não se limitar às coisas miúdas e subalternas da governação, equivalentes àquelas que, na economia doméstica, cabem a uma governanta ou, no Estado, a um chefe de repartição. Que é só (a isto chegámos) o que vamos eleger, chefes de repartição para executar decisões tomadas por outros.”
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