segunda-feira, 25 de abril de 2011

SARAMAGUEANDO


Não estou com saudosismo da revolução, ela foi o que foi, com os seus erros e disparates mas também com as suas grandes conquistas e, principalmente, as suas grandes ilusões – enormes ilusões – que alimentaram uma parte substancial dos portugueses. Isso é passado, é tão passado que eu já não comemoro o 25 de Abril. Sentir-me-ia um irresponsável celebrando qualquer coisa de que eu não posso ver nenhum sinal, porque tudo o que o 25 de Abril me trouxe desapareceu e não me digam que é porque temos a democracia. Em primeiro lugar porque esta democracia – e a democracia em geral – é bastante discutível e penso que haveria de a discutir muito
seriamente porque a democracia é uma espécie de santa no altar em que não se pode tocar nem dizer nada. Espanha também tem democracia e não fez nenhuma revolução, se nós em lugar da revolução tivéssemos passado por um processo de transição como aconteceu no país vizinho estaríamos exactamente onde estamos. Aqui h+a anos, numa sessão organizada pela CGTP, eu atrevi-me a dizer isto e o que me chamaram naquela altura…Até o Melo Antunes disse “Esse tipo é parvo!” Por isso não me falem do 25 de Abril, a malta sai à rua com os panos a dizer “25 de Abril sempre” mas onde está ele? Digam-me por favor o que é que ficou, mas digam-me concretamente. Nada… Ficou uma data e agora só nos resta ir ao cemitério uma vez por ano pôr as flores onde entendemos que são justas.

José Saramago à conversa com João Céu e Silva em Uma Longa Viagem com José Saramago

Legenda: José Saramago, Paris 1998, fotografia de Daniel Mordzinki, constante  do catálogo da Exposição José Saramago: A Consistência dos Sonhos.

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