quinta-feira, 21 de abril de 2011

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?


“The Grapes of Wrath retrata tempos de crise. Mostra uma família rural que perdeu a quinta para o banco e, com os bens decrépitos atulhados numa camioneta miserável, segue estrada fora em busca de trabalho e da Califórnia redentora. Tom Hard, Henry Fonda, é o filho, neto e sobrinho dessa família. Acossados, humilhados, roubados de tudo por bancos, impostos, polícias, só lhe resta a razão última da sua dignidade. Na mais escura das noites, Tom despede-se da mãe prometendo-lhe “I’ll be all around in the dark, I’ll be everywhere”, e é nessas sombras que mergulha para, bem-aventurado e sedento de justiça, estar em todo o o lado. Nos olhos de Henry Fonda, na sua voz calma e de uma vibração segura, a mãe, Ma Joad, descobre a força e a razão para não voltar a ter medo, “co’s we’re the people”, porque somos o povo que vive. E hoje, neste Portugal que atafulha os bens decrépitos numa camioneta de peneus furados, em cada grito zangado, no medo de cada mãe perplexa, no riso de cada miúdo que ignora o futuro hipotecado, volto a ouvir a voz do Tom Joad, volto a ver o olhar claro, a fé de Henry Fonda. Henry Fonda é mais do que o pai dos seus filhos. Nesse filme de John Ford, Henry Fonda é o povo que se vê “all around”, em todo o lado. Pode o povo copiar-lhe a voz firme e, ao olhar, roubar-lhe uma razão da esperança?”

Manuel S. Fonseca, numa crónica publicada no suplemento “Actual” do “Expresso” de 9 de Abril de 201ll.

Legenda: fotograma do filme de John Ford “As Vinhas da Ira”,  baseado no livro, com o mesmo nome, de John Steinbeck.

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