“Abril é o mais cruel dos meses, ouvi dizer, mas ao fim da tarde uma criança foi à varanda e informou a cidade:
- Alegrem-se, chegou a Primavera!
E pela madrugada uma discussão de pássaros nas acácias acordou-me, não quero fechar a janela do quarto até Outubro.
Vou pelo centro de Lisboa, entre Sete Rios e Campo de Ourique, há um campo aberto de espantalhos, searas de trigo duro, centeio aveia, está tudo verde na respectiva altura de sua espiga, tremocilha em flor (se a placa está certa), as pernas do aqueduto ao longe, a ETAR dos esgotos espalmada. A ponte 25 de Abril voa pela parte mais alta do Tejo, agora atenção às obras infinitas das estradas, alguém as pagará, mas quem como, como, se ninguém sabe qual é o nosso caminho?, se continuares a direito pela estrada da Europa não chegas a Roma mas a Bruxelas, a Bona, uma mão à frente, a outra atrás da banca, e eu pagarei os buracos novos, eu e todos os portugueses, menos aqueles que só recebem. Mas respira a erva fresca e lembra-te que é Primavera e entraste no Alentejo. As pessoas andam estúpidas com o que deixarão de ter, hoje isto, amanhã sei lá, só que a natureza mostra-nos como se faz, voltaram os dias dos botões nas árvores, da sementinha que estica o pescoço e de escreverem belos disparates de amor.
(…)
Lisboa. A buganvília da minha varanda, a raquítica, tenta florir. Todo o ano leva na cara com o vento fluvial de Lisboa. Agora, com o sol verdadeiro da manhã, endireita-se e borbulha magras pétalas roxas. O resto do dia vira os ramos para dentro, uns pauzinhos de aperitivo, cobertos de sal e formigas, e olha a mesa da sala. Nos últimos anos viu comer, rir, cantar, chorar sobre esta mesa e escrever como agora. Espreita-me da varanda para dentro de casa, estamos cá outra vez, e é Primavera, buganvília.”
De uma crónica de Rui Cardoso Martins publicada na “Pública” de 10 de Abril de 2011.
Sem comentários:
Enviar um comentário