quinta-feira, 15 de maio de 2014

COLE PORTER E A MALDIÇÃO DE BELA GUTTMAN


Sem que o tivéssemos podido alguma vez suspeitar, Cole Porter interessava-se pelo Benfica. E muito…

Conhecida a flexibilidade com que o autor de “Begin the Beguine” geria as suas relações amorosas, muitas vezes nos interrogámos acerca da origem e da natureza desse Amor que tanto perfuma as suas canções.  

Seria um Ele…?  Seria uma Ela…?  Seria um qualquer Ideal imaterial e assexuado…?

Pois bem, uma equipa de investigadores do Departamento de Musicologia da  Universidade de Nashville, nos Estados Unidos, acaba de nos trazer a surpreendente resposta:  muitas dessas magníficas canções de Porter foram dedicadas…… ao Benfica!

Na verdade e à época, eram já de há muito badaladas nos Estados Unidos  as  frequentes escapadelas de Porter a Lisboa, e a “beautifull people” de Park Avenue e de Beverly Hills comentava até,  à boca calada,  que era um garanhão do Alto de Pina  quem andava a tratar  dele…

Nada mais falso, descobriu-se agora…

Cole Porter deslocava-se a Lisboa, clandestinamente, para ver os jogos do Benfica, clube pelo qual sentia uma devoção muito especial.

Segundo a referida equipa de investigadores, são inúmeras as ligações que se podem estabelecer entre as letras das canções de Porter e aquele a quem eles próprios chamam “The Glorious”…

You’re the Top” é referência óbvia…

In the Still of the Night” terá sido escrita numa varanda virada para o Tejo, após mais uma inesquecível noite europeia vivida por Porter, “so in love”,  no Paraíso da 2ª Circular. E aqui  a lancinante pergunta

“do you love me, as I love you?”

não é mais do que a singela pergunta que o comum dos adeptos tem vontade de colocar a si próprio: será que o meu clube gosta tanto de mim como eu gosto dele…?

E quem é que suspeitaria que o  conhecidíssimo trecho

“Night and day,
You are the one
Only you beneath the moon
And under the sun”

fosse, como os referidos investigadores  garantem que é, uma sentida declaração de Amor ao velho Estádio da Luz (Light Stadium”, no dizer dos americanos…), cuja grandiosidade Porter tanto admirava nos jogos diurnos (as saudosas tardes de Domingo às 15h00…) como nos jogos à noite, às 21h45.


É sabido como estes estudiosos  tendem para o exagero quando começam a dar asas à sua imaginação… Até se atrevem a dizer, agora, que Why Can’t You Behave” é uma premonição daquilo que se iria passar, muitas décadas depois, com Óscar Cardozo e Jorge Jesus, mas confesso-vos que esta já me custa um bocadinho a engolir…

Já em relação a Anything Goes” (que, para quem não conheça a expressão, significa “vale tudo”), as certezas não são muitas… Alguns elementos da Equipa de investigação  sustentam que Porter se referia à maneira como os defesas adversários se atiravam às canelas do Eusébio, mas outros – talvez melhor informados…. - inclinam-se a ver aí sinais da velha e sólida  ligação existente entre o Benfica e as sucessivas Comissões de Arbitragem…  

Sensível às dificuldades do seu clube,  Porter era, naturalmente,  conhecedor da “Maldição de Bela Guttmann”, na qual acreditava piamente. Ele  sabia  que quanto maior fosse o voo maior seria a queda e tentou, por isso, refrear as expectativas futuras dos seus amigos benfiquistas, evitando que sofressem em demasia.  Chamou-lhes, carinhosamente, “tontinhos”,  mas estes, cegos de paixão,  nunca lhe quiseram dar ouvidos:

“Don’t you know little fools,
You never can win
Why not use your mentality
Step up , wake up to reality”

Porter sabia muito bem que Paixão e lucidez raramente caminham de mãos dadas e que, na verdade,  é muito difícil a um benfiquista encarar de frente a realidade se, para tal, tiver de  fazer calar a voz desse Benfica que ecoa, em permanência, dentro de si:

“But each time I do just the thought of you
Makes me stop, before I begin
‘Cause I’ve got you under my skin”
                                                   
Mas o que mais parecia atormentar Porter era o facto de ele se sentir pessoalmente responsável por essa “Maldição”. De a ter provocado, até, chamando-a a si… Ele jurava a pés juntos  que  Guttmann se tinha inspirado numa passagem de ”You Do Something To Me”,  uma das suas mais célebres canções…

“Let me live ‘neath your spell
Do do that voodoo that you do so well”

A  profunda convicção de Porter de que nunca mais se haveria de  assistir a nenhuma vitória  do seu Benfica numa final europeia  ficou cimentada naquela fatídica noite de 25 de Maio em Wembley, corria o ano de 1963. As diabrites de Altafini  nessa noite  destroçaram  o coração do pobre Porter, ele que até nem desgostava de italianos… Não resistindo, caiu à cama pouco tempo depois, deixando-se morrer, inconsolável, no ano seguinte.

E até há males que valem por bem, porque já não viu, uns meses depois,  Costa Pereira deixar passar a bola por entre as pernas em Milão  e, acima de tudo,  o que o modesto  Sevilha fez ao seu Benfica em Turim, na desgraçada noite de ontem que tanto nos entristeceu…


 Texto de Luís Miguel Mira

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