sexta-feira, 23 de maio de 2014

UM LENÇO PARA CATARINA


Chamavas-te Catarina? Ou foi a sina
De nomear o mito e dar um rosto à História
Que fez nascer em nós teu nome de menina
Como barco sulcando as águas da memória?

E será que morreste? Ou por termos medo
Da nossa própria morte mais à frente certa
Criámos em surdina as balas do segredo
Que foi bordado a fogo na tua saia aberta?

Mas o nome qu’importa? A hora? O mês?
Em cada morte nossa morres outra vez
E colam outro nome à pedra em que te fito.

E mesmo a morte passa. A nossa e a tua.
Quando chegam as aves apenas flutua
Um lenço onde se acende o teu perfil de grito.

Manuel Alberto Valente em 10 Poemas para Catarina, O Oiro do Dia, Porto, Maio de 1981.

Legenda: número do Avante de Abril-Maio de 1954 referindo a morte, pela GNR, de Catarina Eufémia no dia 19 de Maio de 1954.

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