quinta-feira, 15 de maio de 2014

OS IDOS DE MAIO 74



De 1 a 5 de Maio de 1974

Aquele primeiro 1º de Maio…

As ruas cheias de gente, homens e mulheres a chorarem, a abraçarem-se, que se chamaram «tu» sem se conhecerem de parte alguma, sonhos buliçosos, uma autêntica nave de loucos, fim de um tempo abjecto, desesperado, os nossos os jovens a morrerem numa guerra inglória – felizmente que a tropa há-de torná-lo um homem, António Lobo Antunes em Os Cus de Judas.

Não acreditem no que as fotografais dos jornais, os registos dos filmes mostram.
Foi muito do que aquilo que vos é mostrado.

Sabemos, hoje, que esses dias foram de uma perenidade violenta, esperanças frustradas, desilusões, esforços, muitos esforços mas que, pequenos que sejam., eram resultados.
Roubar a alguém o sonho duma vida inteira é pior, e mais imperdoável, do que privá-lo do pão que lhe é devido.

A festa do 1º de Maio de 1974, em que milhares e milhares de pessoas vieram para a luz do mundo forra de carne humana e cores livres de bandeiras, os prédios, o céu, o vento, o pesadelo morto. Momento que já principia a parecer um sonho, talvez apenas possível de descrever com a tinta mágica das lágrimas que todos nós trouxemos para a rua nessa tarde tão generosa e inocente.
Mas oxalá essas lágrimas do povo não tenham um dia de gelar até à dureza de balas viris – mutação a que eu também já assisti em ocasiões terríveis de terramotos implacáveis.

(José Gomes Ferreira em Revolução Necessária, Diabril, Junho de 1975).



VINDOS do exílio em Argel, chegam a Lisboa Fernando Piteira Santos e Manuel Alegre. Manuel Alegre na Praça da Canção tem um poema: Nós Voltaremos sempre em Maio:

Amanhã não estaremos já neste lugar
amanhã a cidade já não terá o teu rosto
e a canção não virá cheia de ti
escrever em cada árvore o teu nome verde.

Amanhã outros passarão onde passámos
farão os mesmos gestos dirão as mesmas palavras
dirão um nome baixo um nome loucamente
como quem sobre a morte é por instantes eterno.

Amanhã a cidade terá outro rosto.
Nós não estaremos cá. Mas a cidade
já não será contra o amor amanhã quando
os amantes passarem na cidade livre.

Nós não estaremos cá. Voltaremos em Maio
quando a cidade se vestir de namorados
e a liberdade for o rosto da cidade nós
que também fomos jovens e por ela e por eles

amámos e lutámos e morremos
nós voltaremos meu amor nós voltaremos sempre
no mês de Maio que é o mês da liberdade
no mês de Maio que é o mês dos namorados.

OS EXILADOS políticos poderão, logo que entenderem, regressar a Portugal e com o pleno exercício dos seus direitos.

A VIOLAÇÃO da correspondência era feita por acção directa da PIDE/DGS e não pelos trabalhadores dos CTT.

O SINDICATO dos Escritórios denuncia que há patrões que não querem pagar o 25 de Abril aos trabalhadores e chegaram a despedir trabalhadores que faltaram nesse dia.

A RÁDIO Renascença é ocupada pelos trabalhadores com uma nova administração eleita, depois de a anterior administração ter censurado as reportagens da chegada a Lisboa de Mário Soares e Álvaro Cunhal e dos cantores Luís Cilia e José Mário Branco.

AOS POUCOS os jornalistas vão demitindo as direcções e conselhos de administração dos diversos órgãos de informação, colocando nos seus lugares jornalistas e pessoas que estejam com o espírito de Abril.
Eduardo Valente da Fonseca publica no República uma Carta Aberta a alguns jornalistas:
Vocês que bajularam ministros, presidentes das câmaras, governadores civis, figuras proeminentes da política e da finança, vocês que se bateram à miseranda cartinha com uma gratificação dentro para tecerem toda a espécie de falsos elogios e louvores, que enriqueceram ou passaram a levar um estilo de vida que o vosso magro ordenado não comportava, que se puseram sempre do lado das autoridades contra os trabalhadores e os estudantes, vocês que sob o estado repressivo de Salazar e Marcelo nunca apareceram publicamente a manifestar o vosso desacordo, vocês não são dignos de escrever para um Povo que só agora se apressam a vir dizer que respeitam, e não são dignos de serem lidos por um leitor novo, que começa a despertar para ajudar o verdadeiro jornalista a construir com ele um outro país, uma nova relação humana sem censura nem camaleonismo. Desistam e reformem-se que o Povo, a Cultura e o Jornalismo agradecem.

O ESCUDO subiu em Nova Iorque, também em Londres, o que é inédito numa revolução.

ANÙNCIO no Diário de Notícias de 3 de Maio de 1974, um político libertado procura emprego:


O TEATRO da Cornucópia decidiu suspender a peça que tinha em ensaios para começarem a trabalhar na encenação de «Grandezas e Misérias do III Reich» de Bertold Brecht


                             
A DIRECÇÂO do Teatro Nacional de S. Carlos decidiu a abolição da obrigatoriedade do uso de traje de rigor que se mantinha para os espectáculos de estreia. Aguarda-se uma nova política de preços.

DEIXAM de publicar-se dois jornais que apoiavam o antigo regime: Novidades e Debate.

Diariamente os jornais vão publicando numerosos desmentidos de pessoas das quais se diz que eram informadores da PIDE/DGS: fulano de tal vem por este meio comunicar que jamais pertenceu aos quadros da PIDE/DGS, ou a ela esteve ligado, conforme documento passado pela Junta de Salvação Nacional.

A RÚSSIA passa a ser incluída na programação de cruzeiros promovidos pela Agência Marítima Transatlântica.

O PAIGC rejeita a autodeterminação de Spínola.

O EX- MINISTÉRIO das Corporações passa a denominar-se Ministério do Trabalho.

FRANCISCO Pinto Balsemão pretende fundar um partido de centro-esquerda.

CHEGAM do exílio no Brasil, Ruy Luís Gomes e José Morgado.

A JUNTA de Salvação Nacional desmente a prisão de Amália Rodrigues.

O PARLAMENTO Europeu regozija-se com os acontecimentos que se verificaram em Portugal.

Decretada a amnistia a refractários e desertores das Forças Armadas.

MANIFESTAÇÃO do MRPP impede no Aeroporto o embarque de soldados para as colónias: Regresso imediato dos Soldados! Nem mais um militara para as colónias!

FORAM em vão as diversas tentativas que o jornal Época fez para que o jornal passasse de intransigente defensor do antigo regime a apoiante do espírito de Abril.
Passou de Época a A Época, depois A Época Livre.


REGRESSO do Capitão Sarmento Pimentel do seu exílio no Brasil.


1º ENCONTRO Livre da Canção, transmitido pela Emissora Nacional, no Pavilhão de Desportos do Porto. Participação, entre outros, de José Afonso, José Mário Branco, Sérgio Godinho. Adriano Correia de Oliveira, Fausto, Luis Cilia, Manuel Freire.

OCUPADAS as casas da Fundação Salazar vazias há dois anos (90 moradias prontas e 200 inacabadas).

MÁRIO Soares em Bruxelas: o perigo comunista não existe em Portugal. Não vai instalar-se em Lisboa um governo popular mas de Salvação Nacional.


Fontes: Recortes de acervo pessoal, Diário de Uma Revolução, Mil Dias Editora, Lisboa, Janeiro de 1978, Maio de 74 Dia a Dia, Edição de Teorema e Abril em Maio, Lisboa, Maio de 2001, Portugal Hoje edição da Secretaria de Estado da Informação e Turismo, A Funda, Artur Portela Filho, Editora Arcádia, Lisboa

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