Estes seres são ainda crisálidas pela claríssima evidência da sua
expectação. Foram paradas no meio de um gesto, de um movimento, e olham o
espaço, não anos, ainda quando pareçam fitar-nos a direito, mas um ponto
mediano algures, que nos ignora, ou um outro, que nos apaga, distante, fora do
mundo. Ora, como tudo quanto espera, estes seres também interrogam. E é essa
interrogação, não formulada. Porém instante e irrecusável, que vem acrescentar
um novo elemento ao acto contemplativo: O sentimento da inquietação. De facto
que querem elas de nós, estas crisálidas, olhando e perguntando, como se,
tendo-nos proposto já todos os dados possíveis de um problema, não disfarçassem
a sua piedade, a sua impaciência, a sua ironia, perante a nossa indecisa
perplexidade? Mais do que olhar, somos olhados. Como se, afinal, fôssemos também
nós outras crisálidas, elaborando por detrás da carapaça algo que nos recusamos
a mostrar, aquilo que sempre se retrai diante do mais insistente de todos os
olhares: o da pintura.
José Saramago, palavras para o catálogo da Exposição de Armanda Passos, na Cooperativa Árvore, Porto 22 Novembro-10 Dezembro 91.
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