sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

35 ANOS SEM O MÁRIO-GIN-TONIC


Morreu no Hospital de Cascais, há 35 anos, ficou sepultado em campa rasa no
Cemitério de S. Domingos de Rana.

Segundo Ruy Lemos, duas razões são apontadas para o seu falecimento: os médicos referem neoplasia, os poéticos explicam que Mário morreu por muito haver vivido. Informações de etiologia antagónica, mas que têm em comum o facto de omitir a causa.
Mário-Henrique Leiria morreu porque passou fome nos últimos anos de vida. Não morreu devido a prolongado e total jejum, voluntário ou involuntário – morreu de subnutrição real e carências várias.

Morrer de fome nos anos 80, em Lisboa, na Europa.

Como é costume, neste país de esquecer gente, já poucos dele se lembram, pouquíssimos o leem.

Uma angústia com várias faces, uma amargura torturante.


Pois é!

Sentado, a escrever no computador, coincidência ou não, sempre que olho a estante em frente, ressaltam as lombadas dos seus livros.

Não são necessárias efemérides para, por aqui, aparecerem artistas e escritores.

O melhor que há a fazer é ir colocando os seus textos, que falam muito melhor do que as palavras de circunstância que se engatilhem na hora.



«CHAMADA GERAL»


«avisam-se todas as polícias
fugiu um homem

tem
olhos muito abertos
duas mãos dois pés
caminha persistentemente

atenção
supõe-se que é perigoso

sinais particulares:
baixa-se com frequência
para fazer festas a um gato
apanha folhas caídas
antes que o varredor as leve
gosta de tremoços

atenção
GOSTA DE TREMOÇOS

repete-se
avisam-se todas as polícias
anda um homem à solta
à solta

atenção
tem-se como certo
que é
realmente perigoso

os aeroportos
já estão sob vigilância permanente
tudo está a postos
não poderá passar
por nenhuma fronteira
que seja conhecida

insiste-se
avisam-se todas as polícias
anda um homem em liberdade

atenção
em liberdade

delações muito recentes
permitem afirmar
que fala com frequência

todo o cuidado é pouco

consta também
embora sem referências concretas
que está sempre presente
nos locais os mais suspeitos
apela-se com insistência
para o civismo de todos os cidadãos
para a denúncia rápida e eficaz
há recompensa

atenção
anda pelo país um homem
livre

não se sabe o que fará

exige-se
a quem o vir
que atire imediatamente
é urgente

atenção
atenção
chamam-se todas as polícias
uma informação
da máxima importância
relatórios afirmam
que frequentemente
sorri com extrema virulência

repete-se o apelo
ATIREM PARA MATAR
NADA DE PERGUNTAS»


Mário-Henrique Leiria, poema publicado no Aqui, 31 de Agosto de 1976, semanário, de vida efémera, de que foi director, chefe de redacção, escriba, tudo.

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