Morreu no
Hospital de Cascais, há 35 anos, ficou sepultado em campa rasa no
Cemitério de S.
Domingos de Rana.
Segundo Ruy
Lemos, duas razões são apontadas para o seu falecimento: os médicos referem
neoplasia, os poéticos explicam que Mário morreu por muito haver vivido. Informações
de etiologia antagónica, mas que têm em comum o facto de omitir a causa.
Mário-Henrique Leiria morreu porque passou fome nos
últimos anos de vida. Não morreu devido a prolongado e total jejum, voluntário
ou involuntário – morreu de subnutrição real e carências várias.
Morrer de fome
nos anos 80, em Lisboa, na Europa.
Como é costume,
neste país de esquecer gente, já poucos dele se lembram, pouquíssimos o leem.
Uma angústia com
várias faces, uma amargura torturante.
Pois é!
Sentado, a
escrever no computador, coincidência ou não, sempre que olho a estante em
frente, ressaltam as lombadas dos seus livros.
Não são
necessárias efemérides para, por aqui, aparecerem artistas e escritores.
O melhor que há
a fazer é ir colocando os seus textos, que falam muito melhor do que as
palavras de circunstância que se engatilhem na hora.
«CHAMADA GERAL»
«avisam-se todas as polícias
fugiu um homem
tem
olhos muito abertos
duas mãos dois pés
caminha persistentemente
atenção
supõe-se que é perigoso
sinais particulares:
baixa-se com frequência
para fazer festas a um gato
apanha folhas caídas
antes que o varredor as leve
gosta de tremoços
atenção
GOSTA DE TREMOÇOS
repete-se
avisam-se todas as polícias
anda um homem à solta
à solta
atenção
tem-se como certo
que é
realmente perigoso
os aeroportos
já estão sob vigilância permanente
tudo está a postos
não poderá passar
por nenhuma fronteira
que seja conhecida
insiste-se
avisam-se todas as polícias
anda um homem em liberdade
atenção
em liberdade
delações muito recentes
permitem afirmar
que fala com frequência
todo o cuidado é pouco
consta também
embora sem referências concretas
que está sempre presente
nos locais os mais suspeitos
apela-se com insistência
para o civismo de todos os cidadãos
para a denúncia rápida e eficaz
há recompensa
atenção
anda pelo país um homem
livre
não se sabe o que fará
exige-se
a quem o vir
que atire imediatamente
é urgente
atenção
atenção
chamam-se todas as polícias
uma informação
da máxima importância
relatórios afirmam
que frequentemente
sorri com extrema virulência
repete-se o apelo
ATIREM PARA MATAR
NADA DE PERGUNTAS»
Mário-Henrique
Leiria, poema publicado no Aqui, 31 de Agosto de 1976, semanário, de
vida efémera, de que foi director, chefe de redacção, escriba, tudo.
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