domingo, 4 de janeiro de 2015

HÁ 55 ANOS


Morria Albert Camus.

Tinha 47 anos.

No local do desastre foi encontrada uma sacola que continha a obra em que Camus trabalhava no momento da sua morte: «O Primeiro Homem».

«Compõe-se de 144 páginas traçadas ao correr da pena, por vezes sem pontos nem vírgulas, numa letra rápida, difícil de decifrar, nunca retocadas».

(Nota de Catherine Camus para a publicação, em 1994, de «O Primeiro Homem»)

«O carro em que seguia, com o seu editor, descontrolou-se e embateu violentamente contra uma árvore.
Numa estrada deserta a meio de uma madrugada igual a tantas outras que ele vivera ardentemente durante o seu período de resistência, Albert Camus encontrou, talvez, na morte, o gozo de algo que afinal sempre tivera na pele, como um vício doloroso.»

(Maria Teresa Horta em «A Capital» de 18 de Fevereiro de 1970)

José Cardoso Pires, escreveu então que nunca mais esqueceria a capa do «Paris-Match» que noticiava o absurdo insuportável da prematura morte do escritor.

«Camus era uma aventura singular de nossa cultura, um movimento cujas fases e cujo termo final tratávamos de compreender. Representava neste século e contra a história, o herdeiro atual dessa longa fila de moralistas cujas obras constituem talvez o que há de mais original nas letras francesas. Seu humanismo obstinado, estreito e puro, austero e sensual, travava um combate duvidoso contra os acontecimentos em massa e disformes deste tempo. Mas, inversamente, pela teimosia de suas repulsas, reafirmava, no coração de nossa época, contra os maquiavélicos, contra o bezerro de ouro do realismo, a existência do fato moral. Era, por assim dizer, esta inquebrantável afirmação. Por pouco que se o lesse ou refletisse a respeito, chocávamos com os valores humanos que ele sustentava em seu punho fechado, pondo em julgamento o ato político.

Inclusive seu silêncio, nestes últimos anos, tinha um aspecto positivo: este cartesiano do absurdo se negava a abandonar o terreno seguro da moralidade e entrar nos incertos caminhos da prática. Nós o adivinhávamos e adivinhávamos também os conflitos que calava, pois a moral, se se a considera, exige e condena juntamente a rebelião. Qualquer coisa que fosse o que Camus tivesse podido fazer ou decidir a sua frente, nunca teria deixado de ser uma das forças principais de nosso campo cultural, nem de representar a sua maneira a história da França e de seu século.

A ordem humana segue sendo só uma desordem; é injusta e precária; nela se mata e se morre de fome; mas pelo menos a fundam, a mantêm e a combatem, os homens. Nessa ordem Camus devia viver: este homem em marcha nos punha entre interrogações, ele mesmo era uma interrogação que procurava sua resposta; vivia no meio de uma longa vida; para nós, para ele, para os homens que fazem com que a ordem reine como para os que a recusam, era importante que Camus saísse do silêncio, que decidisse, que concluísse. Raramente os caracteres de uma obra e as condições do momento histórico exigiram com tanta clareza que um escritor viva.

Para todos os que o amaram há nesta morte um absurdo insuportável. Mas, teremos que aprender a ver esta obra truncada como uma obra total. Na medida mesmo em que o humanismo de Camus contém uma atitude humana frente à morte que havia de surpreendê-lo, na medida em que sua busca orgulhosa e pura da felicidade implicava e reclamava a necessidade desumana de morrer, reconheceremos nesta obra e nesta vida, inseparáveis uma de outra, a tentativa pura e vitoriosa de um homem reconquistando cada instante de sua existência frente à sua morte futura.» 

(Jean-Paul Sartre, no dia a seguir à morte de Albert Camus, documento retirado da Revista Pandora.)

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