quinta-feira, 6 de outubro de 2022

PAUSA EM RELAÇÃO AO IMAGINAR DA MORTE

«Tive sempre um fraquinho pelos jornalistas. Juntamente com cowboys, músicos de jazz, agentes do FBI, detectives privados, jogadores e mágicos, alimentei a fantasia de ser um homem dos jornais, um repórter duro, na senda do crime, cujas investigações implacáveis desvendavam a história da corrupção da câmara municipal ou salvavam um homem inocente do cadafalso. Era isso ou jornalista desportivo, onde poderia documentar a poesia do atletismo, tal como o meu ídolo, Jimmy Cannon.

Infelizmente, o destino tinha outros planos para mim, mas uma das melhores memórias que tenho foi a noite em que fiz as rondas da Broadway com o jornalista Leonard Lyons. Lyons era um colunista de Nova Iorque que não dependia das esmolas dos assessores de imprensa, antes cobrindo a vida nocturna da cidade pessoalmente e acumulando centenas de histórias excelentes sobre as celebridades da cidade. Ele e a mulher convidaram-me para jantar, certa noite, no seu apartamento em Beresford, quando eu era um comediante em ascensão. Por volta das dez da noite começava o seu dia de trabalho. Despediu-se da mulher com um beijo e descemos às ruas escuras de Manhattan. Levou-me ao Sardi’s, ao Oak Room do Plaza, ao Toots Shor’s, depois ao Watford e ao Lindy’s, tudo isto enquanto conversava e ouvia autores e atores, atrizes e produtores. Foi uma noite com a qual apenas podia ter sonhado em miúdo, na Avenue J, em Brooklyn. Por vezes, estou deitado na cama, à noite, incapaz de dormir e tenho uma rara pausa em relação ao imaginar da morte, esmagado numa prensa de carros ou engolido por uma píton, penso nostalgicamente nessa noite, na cidade, com Leonar Lyons.»

Woody Allem em A Propósito de Nada.

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