José Saramago não gostava do Natal. Tão pouco de festas de aniversário.
Talvez reflexo de uma infância e de uma adolescência
muito difíceis, o Natal, para Saramago, não foi um toque de mágica.
Deixou, em A Bagagem do Viajante algo a que chamou Natalmente Crónica; «para
incréus empedernidos como eu, o caso não tem assim tanta importância: é mais
uma das trezentas mil datas assinaladas de que se servem inteligentemente as
religiões para aferventar crenças que no passar do tempo se tornariam letra
morta e água chilra.»
Disse uma em Madrid que «O Natal é uma Borbulha Consumista que nos Separa do
Apocalipse, e de uma maneira seca, quase definitiva, finalizou um
poema: É dia de Natal. Nada acontece».
A um jornalista
do Público, que lhe perguntou como gostaria de ser recordado,
Saramago respondeu:
«Gostaria de ser recordado como o escritor que criou a personagem do cão das lágrimas, no “Ensaio sobre a cegueira”. É um dos momentos mais belos que fiz até hoje como escritor. Se no futuro puder ser recordado como “aquele tipo que fez aquela coisa do cão que bebeu as lágrimas da mulher” ficarei contente.»
No dia 25 de Dezembro, em Lanzarote, sobre os seus cães
«Há cerca de um mês apareceu-nos aqui outro cão, uma cadela terrier de Yorkshire, de raça pura. Não sabemos donde veio, até agora não apareceram a reclamá-la, apesar de termos informado imediatamente a polícia e a associação protectora de animais. Pepe começou por recebê-la com desconfiança, perplexo diante do tamanho diminuto da intrusa, depois confundido com as liberdades e descaros que ele desde logo passou a permitir-se, como se a casa fosse sua. Agora começa a olhá-la com um ar que eu classificaria de resignada benevolência, suponho que disposto a esperar que ele venha a tornar-se naquilo que já é: um cão sério, maduro, ciente do seu papel de guarda e protector da família. Ora, disse Marga, a veterinária, que a cadelinha ainda não fez um ano, portanto Pepe terá de esperar… Ou não. Algo me diz que a cadela não ficará connosco. Mais dia menos dia aparecem-nos aí os donos: um bichinho destes vale cento e cinquenta contos, não é nenhum desperdício. Esse não foi o caso de Pepe, evidente produto de uma irregularidade de acasalamento, Pepe, quando nos apareceu, era um cão infeliz, abandonado. Esta fulana não, impertinente, irresponsável, ou se perdeu, ou fugiu. E tanto se lhe dá que os donos chorem o dinheiro perdido e o amor transviado, o que ela quer é que lhe cocem a barriga.»
Cadernos de Lanzarote, Volume II, página 264.
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