Reconheçoque a transcrição que faço da conferência de José Saramago é longa, mas acabei
por não resistir. Trata-se de um exercício notável, autêntico jogo de xadrez
que, lamentavelmente, nunca aprendi a jogar. Também gostava de tocar guitarra e
nada fiz por isso.
Penso que
alguém de bom ler alguma vez poderá ficar desiludido com a escrita e
capacidades argumentativas de Saramago.
Desconhecia
esta conferência como, de certeza quase absoluta, desconheço outros textos e
intervenções de José Saramago.
Aqui
entendo dizer que o trabalho da Fundação, em determinados aspectos, não se tem
debruçado convenientemente com o imenso espolio e ideias que Saramago deixou.
De uma delas já falei por aqui mas volto a falar:
José Saramago sempre entendeu que para que se
possa conhecer melhor a obra de um escritor, é necessário publicar a
correspondência trocada com os seus pares.
Saramago vai mais longe, e na longa conversa
que manteve com João Céu e
Silva, diz:
Tenho milhares de cartas e costumo dizer
que a obra completa de um escritor só estará realmente completa publicando-se
uma selecção das cartas dos leitores porque – fala-se tanto da teoria da
recepção – é naquelas cartas que se vê realmente o que é a recepção. Em casa
devemos ter umas duas mil cartas de leitores que é preciso classificar e
ordenar.
Humberto Werneck que fez uma entrevista a
José Saramago, cuja transcrição pode ser lida no Último
Caderno de Lanzarote revela que «Saramago escreve pela
manhã e no final da tarde a sua quota diária de literatura, nunca mais de duas
páginas ao som de Mozart, Bach ou Beethoven, e responde a algumas das cartas,
cerca de 100, em média, que lhe chegam todos os meses de vários cantos do
mundo.»
No dia 8 de Agosto de 1998, entrada do Último
Caderno de Lanzarote, Saramago volta ao assunto das
correspondência que manteve com os seus leitores.
«Um dia deixei consignado nestes Cadernos a
única ideia em tudo original que até aí tinha produzido (e suspeito que desde
então não consegui espremer da cabeça outra de quilate semelhante), aquela
luminosíssima ocorrência de que na publicação da obra completa de um escritor
deveria haver um volume ou mais com as cartas dos leitores. Fala-se,
discute-se, discorre-se sobre as teorias da receção (empurrando portas
abertas?), e parece que ninguém repara no inesgotável campo de trabalho que
oferecem as caretas dos leitores.»
Decorreu
o suficiente tempo sobre a morte de Saramago
para que a Fundação já tivesse iniciado o trabalho de divulgação sobre
as cartas de diversa gente que Saramago recebeu e a que deu resposta.
Compreendo
e aceito a existência de T-shirts, sacos para livros, canecas, porta-chaves,
agendas, etc., etc., etc.
«Isto tem muito que ver também com o prazer
da escrita de que tanto se fala. Tenho que confessar, muito sinceramente, que
escrever não me dá prazer. Pode dar-me prazer ter escrito, o que é outra coisa;
agora, o chamado prazer da escrita, sinceramente não o sinto – embora também
nunca tenha lido uma explicação que me diga em que consiste esse prazer. Muita
gente fala do prazer da escrita, mas nunca ninguém nos disse que esse prazer se
manifesta desta ou daquela maneira.«
José Saramago em Diálogos com José Saramago de Carlos Reis, página 124
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