Cachimbo.
Perdi-o e gostei
tanto desse cisne negro, companheiro Leal dos bons e maus momentos. Não foi a
primeira vez que perdi um cachimbo, mas a última é sempre mais dolorosa.
Perdi, não sei onde.
Dir-se-á que o facto não interessa a ninguém. De acordo.
Todavia, noite alta, tento relembrar os lugares onde o podia ter deixado. No
transporte? No café? No jornal onde deixei o meu escrito numa correria para o
emprego? No emprego? Em que andar de que reunião? Ou foi depois, ao almoço de
peixe grelhado naquela tasca (que o pretende ser), ou quando dei um salto ao
correio? Teria sido na sala de montagem onde estive a trabalhar, cheia de
filmes, de coladeiras, entradas, saídas? No Conservatório, à noite? Talvez na
Secretaria onde tive de preencher um papel selado? Na leitaria do bairro Alto
onde bebi uma coca entre duas aulas? No cinema da meia-noite, para não perder
enfim o filme tantas vezes perdido?
Tanta gente, tantos lugares; e eu em todos imagino o meu gesto com o cachimbo
na mão. Imagino e vejo. E vejo o cachimbo, abandonado. Como se em todos os
lados tivesse deixado o meu cisne negro, companheiro leal.
Ninguém tem nada com isto, bem sei.
Todavia, agora, noite alta, cismo quantos e diferentes lugares e espaços
frequentei num dia banal, frequentei, estive, vivi, existi, para estar,
existir. Odisseia em ponto pequeno. Sobre isso James Joyce escreveu um grande
romance. Em vez de Lisboa, Dublin. Tanto faz.
Ele, um grande romance. Eu, esta pobre nota; na origem, porém, a mesma violenta
vertigem da vida inominável.
Jorge Listopad em Fruta Tocada por Falta de Jardineiro
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