domingo, 23 de outubro de 2022

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS

 

Dito já que começaram as iniciativas que visam registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um parágrafo, aquilo que constituem os milhares de sublinhados que, ao longo dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam a  Biblioteca da Casa.

Os primeiros livrosde José Saramago.

Como conta Juan Arias: «… talvez por nunca ter desejado nada na vida, por não ter tido maiores ambições, lhe pareça agora que conseguiu tudo.»

Aos 12 anos a mãe oferece-lhe o seu primeiro: «O Mistério do Moinho» de J. Jefferson Farjeon, comprado numa pequena capelista na Praça do Chile. O resto, e parte importante, são leituras de livros na biblioteca da Escola Afonso Domingues e na Biblioteca do Palácio das Galveias no Campo Pequeno.

«Depois de jantar ia a pé, apesar de ser longe da minha casa, para a Biblioteca do Palácio das Galveais, e até à hora de fechar lia tudo o que podia, sem nenhuma orientação, sem ninguém que me dissesse se aquilo era demasiado ou pouco para mim. Lia tudo o que me parecia interessante…»

Os Cadernos Inquérito estavam divididos em 9 séries:

Série A – Política e História

Série B – Economia e Sociologia

Série C – Filosofia e Religião

Série D – Pedagogia e Linguística

Série E – Direito

Série F – Ciências

Série G – Crítica e História Literária

Série H -  Literatura Clássica

Série  I  -  Arte

Os volumes dos Cadernos Inquérito existentes na Biblioteca da Casa apresentam dois preços: 3 escudos e 4 escudos.

Caros? Baratos?

Talvez acessíveis. Talvez.

Lembro-me do meu pai contar que muitos livros foram comprados com sacrifícios de ordem vária: andar a pé em vez de utilizar o electrico, um café, um whiskinho  a menos, uma  não ida aqui ou acolá, mas do que nunca conseguiu prescindir foi os três maços de tabaco «UNIC» que fumava por dia.

Diga-se que a 10 de Novembro de 1941 José Saramago é contratado como serralheiro mecânico dos Serviços Industriais dos Hospitais Civis de Lisboa, com um salário de 8$00, que em breve passa a 9$00.

Em 1942 um amigo empresta-lhe 300$00 com os quais compra os seus primeiros livros que são constituídos por volumes dos Cadernos Culturais Inquérito publicados pela Editorial Inquérito.

«Vivi com toda a naturalidade, sem nenhuma ambição. E como disse antes: «o que tiver de ser meu, às mãos me há-de vir ter, uma coisa depois da outra. Por vezes digo que talvez hoje tenha tudo porque nunca quis nada. Esta é a pura realidade: nunca quis nada.»

E assim aconteceu: um dia deram-lhe o Prémio Nobel.

Um Nobel que leu Cadernos Culturais da Inquérito, possíveis porque um amigo lhe emprestou 300 escudos.

Um Nobel que tanta e tanta  gente desejou, rezou, que quando fosse atribuído a um escritor português calhasse a António Lobo Antunes, ou Agustina Bessa-Luís.

 «Há gente que me odeia pelo simples facto de existir», disse um dia.

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