domingo, 2 de outubro de 2022

PAPÉIS DATADOS


 DISCOS ESTORIL LD 5018


16 Fados Famosos em Ritmo de Baile pelo Conjunto Shegundo Galarza

Mariana – Fado Amália – Fado Mayer – Lisboa Antiga – Canção do Mar – Ai Mouraria – Fado Malhoa – Anda Comigo – Fado Teresinha – Canção do Moinho – Fado dos Alamares – O Fado e Lisboetas – Não me Esqueceste – Maria da Conceição – Sempre que Lisboa Canta – Não Sei Porque Te Foste Embora

Tem de Shegundo Galarza uma memória antiga.

Se os galegos vieram para Portugal vender água e montar tascos, este basco de  Segura, Guipúscoa, nos anos 50, veio para Portugal ganhar a vida, tocando no Casino Estoril.

Mas a memória antiga não o remete para o Casino Estoril, antes para aqueles «TV Clube» da televisão a preto e branco: Shegundo Galarza e os seus Violinos, Shegundo Galarza e o seu Conjunto.

Certa vez, num desses programas Carlos Menezes apareceu a tocar guitarra hawaiana e guardou o espantado prazer que isso lhe causou.

A capa deste long-play, 33 1/3 de Shegundo Galarza, a tocar fados famosos, é uma verdadeira delícia.

Consegue ler-se a autoria: A. Belo Marques que ele admite, apenas isso, ser Álvaro Belo Marques director comercial no «República», director de programas da Emissora Nacional-pós-25-de-Abril, amigo íntimo de Mário-Henrique Leiria, sim, esse mesmo, o Mário-dos-Contos-do-Gin-Tonic, e filho do maestro Belo Marques, director da Orquestra da Emissora Nacional.

Shegundo Galarza também tocava nos chás dançantes e nos jantares do «Restaurante Mónaco», o da célebre curva na marginal que tanta gente levou para sítios de que não mais regressaram.

Desses jantares leu que eram frequentados pelos ministros de Salazar que, enquanto discutiam os problemas desse reino que ia do Minho a Timor, ouviam, em fundo, Galarza e entre esses ministros estava Baltazar Rebelo de Sousa, o pai do nosso Presidente dos Afectos que há dias, sem consulta popular, decididu que Dona Maria Cavaco Silva era, há mais de vinte anos, madrinha dos portugueses pelo apoio a várias instituições de solidariedade nas últimas décadas.

Neste passo da escrita, não resiste em ir buscar prosa de Pedro Bandeira Freire, do livro «Entrefitas e Entretelas», esse homem de sete instrumentos a quem devemos o inesquecível «Quarteto», mítica sala ali Rua Flores de Lima, pleno das Avenidas Novas que, já em clara decadência, fechou portas em Novembro de 2007 –  porra! dez anos já lá vão! - e que, segundo notícias que leu, por Fevereiro deste ano, ia ser transformado em edifício de escritórios:

«Havia noites em que as senhoras presentes rodeavam o Galarza e ele, por vaidade, ficava imparável e não deixava de dedilhar o piano. Feliz com os dedos a correrem pelas teclas, por momentos inclinando a cabeça para trás, em busca do acorde perfeito, para ouvir melhor ou apenas para dar um ar de músico transcendente e melhor excitar as madames que estavam na sala.

Numa dessas noites de sublime inspiração, o João Franco, com a bebedeira que ainda conservaria se por cá ainda estivesse, encostou-se ao piano e durante muito tempo – o Galarza estava no seu melhor – não tirou os olhos daqueles dedos que corriam desvairados pelas teclas brancas e pretas e, com certeza às vezes pelas duas, digo eu, como se fossem autónimos ou então conduzidos por um ente celestial. Quando acabou, martelando, no bom sentido, o piano com todo o entusiasmo, levantando-se ao mesmo tempo que erguia os braços como os grandes concertistas, recebeu os mais calorosos aplausos. Tinha sido excepcional e o Joâo estava de olhos esbugalhados. De tal forma, que o Galarza lhe perguntou: «Às gostado de mé ouvir?»

E o João respondeu-lhe: «Aqui não se trata de gostar ou de não gostar. O que é espantoso é a tua força, o teu vigor, a forma como tocas. Vê-se mesmo que gostas muito de tocar, não gostas?»

E o Galarza: «Si me gusta? Me encanta!»


E o João: «Então, se é assim, porque é que não aprendes?...»


Foi corrido porta fora pelo porteiro e pelo próprio Galarza ficando com a entrada cortada.

(14 de Novembro de 2017).

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