Dito já que começaram as iniciativas que visam registar o centenário do
nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei pegando num qualquer livro
de José Saramago e copiarei dele uma frase, um parágrafo, aquilo que constituem os
milhares de sublinhados que, ao longo dos muitos anos de leituras, invadiram os
livros de José Saramago que habitam a
Biblioteca da Casa.
Tirarem-me, por curto
ou largo tempo, do antro do bicho, como dizia o meu pai, é um caso muito sério.
Quando isso acontece,
mal saio a porta fico logo a pensar no prazer do regresso a casa.
O Céline dizia que
«as grandes viagens são aquelas que se fizeram através da imaginação» e um
qualquer alguém disse que os lugares mais longe são os que ficam dentro de nós.
Não os conhecemos nunca.
José Saramago depois do Nobel, tornou-se um viajante infatigável.
Viajar é perde países, lembrava Fernado Pessoa.
«A emoção da viagem, senti-a quando era garoto e apanhava, na estação do Rossio, normalmente sozinho, o comboio que me levava para férias à estação de Mato Miranda, onde estava ou a minha tia Levira, ou quase sempre a minha avó Josefa esperando-me. Isso sim, aquele comboio lento que nunca mais chegava, troca-troca, troca-troca, troca-troca. A expectativa, a noite que se mal dorme porque há uma excitação. E embora aquilo já não tivesse segredos para mim, vivia-o de cada vez com a emoção de quem sabia o que o esperava – chegar à Azinhaga, entrar na casa dos meus avós com o seu chão de barro e tirar os sapatos, que era a primeira coisa que eu fazia. Só voltava a calçá-los quando regressava, já com o pé um pouco maior. Isso sim. O sentido da viagem, ir andando e descobrindo, só o tive na Azinhaga.»
A jornalista Ana Sousa Dias perguntou a Saramago se depois de todas as viagens pelo mundo, houve algum sítio onde pudesse ter ficado.
«Não, não. Como diziam os ingleses, a minha casa é o meu castelo. E a sensação de voltarmos a casa é única, seja esta, seja a casa de Lisboa. É aí que eu quero estar, com as minhas coisas, os meus objectos, os meus quadros, a minha música, as bugigangas que só têm importância e valor para mim.»
Há uma outra viagem de Saramago que ele
recorda muito bem. Conta-a a no livro de José Prudêncio Um Céu e Dois Destinos:
«Estou em pleno romance de amor com a
Pilar. Aí era quando eu viajava de Lisboa, em autocarro até Rosal de la
Frontera, saía de Lisboa às seis horas da manhã e aí havia um outro autocarro
que me levava pela Sierra Morena por estadas horríveis – agora está tudo transformado
– até Sevilha.Saía de Lisboa às seis da manhã e chegava a Sevilha às três da
tarde.
- Eram nove horas. Não tinha carro, não
gosta de conduzir?
- Não, nem sei conduzir.
- A não?! Mas por que não?
- Porque não, nunca me interessou.»
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