O Caso das Criancinhas Desaparecidas
Luiz Pacheco
Círculo de
Leitores, Lisboa, Fevereiro de 1981
A verdade é esta: a Irene tinha de sair. Da minha
vidinha triste. Tinha só 19 anos. Eu: 19xmil. É muito. Uma grande desproporção
de idades de espaço entre nós. Ia dar mal. Já se sabia (antes) Quando nos
juntámos disse um dia cinicamente para um amigo que só tencionava pô-la em rodagem. Lixei-me. Fui justiceiramente
colhido pelo meu próprio jogo. Já toda a gente depois contava com isso (e eu,
antes de todos; sei como elas acontecem, isto é, nos calham na cama e depois
como se pisgam). Quando o silêncio começou a cair em cima de nós, começou
também, inevitavelmente, a haver silêncio em nós entre nós. Amargura,
recriminações mútuas coisas antigas que se calam mas azedam os mínimos ditos e
atitudes, chispam em olhares de um ódio pequenino caseiro, vai explodir. Um
silêncio mais denso e crescente, intrigante. Um realejo de árias desafinadas a
ranger e sempre as mesmas e sempre a despropósito que surgiam nas conversas
entre nós, um frémito de rancor contido lodoso envolvente. É fácil de dizer escrever.
Não assim para viver e todos os dias o mesmo. Quando se ama. Portanto,
atenção!, o pior vem agora.
O que era Irene para mim? Um caso incestuoso. Amante
filha paqueta companheira mãe enfermeira cúmplice governanta criada para todo o
serviço secretária ama doutros filhos meus sobrinhos dela (esta nobre
rapariguinha esta menina do povo criou cinco crianças com 18 anos) libertina
comigo quando é dado numa semianalfabeta e mais mais: muita fome de tudo a meu
lado e com dignidade, desdenhando pedir, altiva de sete raios, trabalhando
moira de trabalho, daqui te saúdo, rapariga! onde estiveres agora. Sê feliz que
bem o mereces (é a tal minha teoria do amor pela Amada).
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