sábado, 26 de novembro de 2016

UMA CHUVA DURA VAI CAIR


Angelina Barbosa e Pedro Serrano, os tradutores, para a Relógio d’Água, das Poesias de Bob Dylan, anotaram sobre A Hard Rain’s A-Gonna Fall:

 Escrita durante a crise dos mísseis cubanos, em Outubro de 1962, a canção reflecte a angústia da possibilidade de uma guerra nuclear provocada pelo braço de ferro entre Kennedy e Khrusschev. Diz Dylan que, quando a escreveu, pensava não lhe restar muito mais tempo para escrever outras canções, pelo que pôs tudo quanto conseguiu nesta, como se fosse uma canção contendo várias canções.
A estrutura da letra da canção baseia-se em «Lord Randall», uma canção que Dylan aprendeu com Martin Carthy.

Como mero gosto pessoal, tenho que esta é uma das grandes canções de Bob Dylan.

Neste tempo que decorre sobre a morte de Fidel, lembrei-me da canção, como também me lembro daqueles tempos de angústia, que não sei bem se, após Trump, não poderão estar de volta.

Numa carta, datada de 15 de Maio nesse mesmo ano de 1962, José Rodrigues Miguéis escrevia a José Saramago:

O mundo está muito complicado, mas não o acho suficientemente absurdo para perder a esperança.

Que se continue a acreditar em Miguéis.

Oh, onde estiveste, meu filho de olhos azuis?
Oh, onde estiveste, meu jovem querido?
Tropecei na encosta de seis montanhas brumosas
Caminhei e rastejei por seis estradas sinuosas
Entrei pelo meio de sete florestas tristes
Estive na orla de uma dúzia de oceanos mortos
Penetrei dez mil milhas na boca de um cemitério
E é dura, e é dura, é dura, é dura
E é dura a chuva que vai cair

Oh, o que viste, meu filho de olhos azuis?
Oh, o que viste, meu jovem querido?
Vi um recém-nascido rodeado de lobos ferozes
Vi uma estrada de diamantes que ninguém usava
Vi um ramo negro que gotejava sangue
Vi um quarto cheio de homens com martelos sangrentos
Vi uma estrada branca toda coberta de água
Vi dez mil palradores cujas línguas estavam todas destroçadas
Vi armas e espadas cortantes nas mãos de criancinhas
E é dura, e é dura, é dura, é dura
E é dura a chuva que vai cair


E o que ouviste, meu filho de olhos azuis?
E o que ouviste, meu jovem querido?
Ouvi o som dum trovão, rugia um avisos
Ouvi o bramir duma onda que podia afogar o mundo inteiro
Ouvi uma centena de tamborileiros cujas mãoas flamejavam
Ouvi dez mil a sussurrar e ninguém e escutar
Ouvi uma pessoa a morrer de fome, ouvi muita gente a rir
Ouvi a canção dum poeta que morreu na valeta
Ouvi o soluço de um palhaço que gritou na viela
E é dura, e é dura, é dura, é dura
E é dura a chuva que vai cair

Oh quem encontraste, meu filho de olhos azuis?
Quem encontraste, meu jovem querido?
Encontrei uma criança junto a um pónei morto
Encontrei um homem branco que passeava um cão preto
Encontrei uma mulher jovem cujo corpo ardia
Encontrei uma rapariga, ela deu-me um arco-íris
Encontrei um homem ferido de amor
Encontrei um outro homem ferido de ódio
E é dura, é dura, é dura, é dura
É dura a chuva que vai cair

Oh o que farás agora, meu filho de olhos azuis?
Oh, o que farás agora, meu jovem querido?
Vou voltar lá para fora antes que a chuva comece a cair
Caminharei para as profundezas da mais profunda e sombria floresta
Onde as pessoas são muitas e as suas mãos estão completamente vazias
Onde as bolinhas de veneno inundam as suas águas
Onde a casa no vale se funde na suja e húmida prisão
Onde a face do carrasco está sempre bem escondida
Onde a fome é torpe, onde as almas são esquecidas
Onde a cor é o negro, onde nada é o número
E hei-de contá-lo e pensá-lo e dizê-lo e respirá-lo
E espelha-lo da montanha para que todas as almas possam vê-lo
Então erguer-me-ei no oceano até que me comece a afundar
Mas saberei bem a minha canção antes de começar a cantar
E é dura, é dura, é dura, é dura
É dura a chuva que vai cair

 Bob Dylan

 Canção do álbum The Freewheelin’ Bob Dylan (1963)


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