Pergunto-me se o meu irmão chegará a ler isto alguma
vez. Sem dúvida que o repudiaria, espero que com gentileza, diria talvez que o
mar é todas as coisas que eu disse, máquinas de sonhar, um olho de cristal,
tudo isso, mas embora seja verdade é melhor conservar estas coisas em segredo.
Agora poderia dizer-lhe algo que nunca soube quando vivíamos juntos. Que é um
luxo esse de se deixarem coisas no tinteiro, um luxo de que muito poucos podem
disfrutar. Os filhos do vento e da água não precisam de se esmerar acerca
daquilo que o seu sangue conhece, mas quantos podem controlar essa economia, e
quantos mais se vêem obrigados a arranhar e escavar o mundo de mil diferentes
maneiras, apenas para estabelecer a mínima conexão entre as suas vidas. Os
heróis e os semi-heróis, os meninos ungidos aspirando pelas constelações que os
esperam, esses podem desdenhosamente não implorar ao mundo horizontal com
palavras e metáforas organizadas, mas eu careço do seu equilíbrio; como tantos
outros, eu não aspiro a nada, não estou a ponto de ascender à minha glória, de
modo que devo mover-me torpemente entre as minhas amarras, devo negociar o amor
que vou alcançar, fora da minha breve história particular não haverá paixão que
me revele, ninguém em particular me reclamou, de modo que me devo dedicar à
confusa política do general e gritar aos deuses para demonstrar a sua
irrealidade, tal como o meu irmão e eu quando embaciávamos os vidros das
janelas com o nosso bafo, para que pudéssemos desenhar neles com os nossos
dedos. Ele desenhava perfis, para os quais eu desenhava complicados olhos, e
ninguém te pede que decidas qual dos nossos esforços foi mais significativo.
Leonard Cohen em
Filhos da Neve
Sem comentários:
Enviar um comentário