Imagens de Pensamento
Walter Benjamin
Edição e
tradução de João Barrento
Assírio &Alvim, Lisboa, Novembro de 2004
Nem todos os livros se lêem do mesmo modo. Os
romances, por exemplo, existem para serem devorados. Lê-los é uma volúpia da
assimilação. Não se trata de empatia. O leitor não se coloca no lugar do herói,
mas assimila o que lhe acontece. O relato vivo disso é a forma de apresentação
apetitosa que traz à mesa um prato suculento. É certo que também há alimentos
crus da experiência – tal como há alimentos crus para o estômago -, concretamente
as experiências que nos passam pela própria pele. Mas a arte do romance, como a
arte da cozinha, só começa para lá dos alimentos crus. E quantas substâncias
suculentas não existem que são intragáveis em estado cru! E quantas
experiências que são aconselháveis em estado de leitura, mas não de vivência!
Fazem proveito a muito boa gente que morreria se passasse por elas in natura. Em suma: se existe uma musa do
romance – a décima -, o seu emblema é a o da fada da cozinha. Tira o mundo do
seu estado cru, para lhe preparar pratos comestíveis e extrair dele o seu
gosto. Se tiver de ser, pode ler-se o jornal à refeição. Mas nunca um romance.
São tarefas necessárias, mas que entram em conflito.
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