segunda-feira, 14 de novembro de 2016

OLHAR AS CAPAS


Imagens de Pensamento

Walter Benjamin
Edição e tradução de João Barrento
Assírio &Alvim, Lisboa, Novembro de 2004

Nem todos os livros se lêem do mesmo modo. Os romances, por exemplo, existem para serem devorados. Lê-los é uma volúpia da assimilação. Não se trata de empatia. O leitor não se coloca no lugar do herói, mas assimila o que lhe acontece. O relato vivo disso é a forma de apresentação apetitosa que traz à mesa um prato suculento. É certo que também há alimentos crus da experiência – tal como há alimentos crus para o estômago -, concretamente as experiências que nos passam pela própria pele. Mas a arte do romance, como a arte da cozinha, só começa para lá dos alimentos crus. E quantas substâncias suculentas não existem que são intragáveis em estado cru! E quantas experiências que são aconselháveis em estado de leitura, mas não de vivência! Fazem proveito a muito boa gente que morreria se passasse por elas in natura. Em suma: se existe uma musa do romance – a décima -, o seu emblema é a o da fada da cozinha. Tira o mundo do seu estado cru, para lhe preparar pratos comestíveis e extrair dele o seu gosto. Se tiver de ser, pode ler-se o jornal à refeição. Mas nunca um romance. São tarefas necessárias, mas que entram em conflito.

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