Ontem, o Oxford Dictionaries cunhou a palavra do ano:
pós-verdade. Uma homenagem ao brexit e a Trump. É um adjetivo que define uma
sociedade pasmada com a realidade. Espero que passe a substantivo, já. É que,
se a verdade é dura, a pós-verdade, que é uma mentira, pode distinguir-se
talvez melhor, pois é mole. Infiltra-se, entra-nos furtivamente. A pós-verdade
é a mentira com pozinhos de perlimpimpim. A pós-verdade andou a marinar há duas
décadas, a enfiar-se nas redes sociais com enormes teorias da conspiração e
logo com mentirinhas. A eficácia destas era o surgimento sistemático que os
facebooks permitem e incitam. Um dia, no nosso correio eletrónico:
"Michelle Obama é homem." Quem morde, tem mais isco: "Nunca
suspeitou por não haver fotos da gravidez dela?" De facto, pensando bem...
E o anzol prende, prende, e, há um mês, lia-se uma reportagem do The Washington
Post sobre uma eterna eleitora democrata, que desta vez ia votar Trump. Porquê?
"Michelle Obama é homem." Pois, nunca mais se pode fazer uma campanha
eleitoral sem um kit com testes para identidade de género (os partidos, pelo
menos os desconfiados, deviam pedir apoio ao Comité Olímpico, que tem destes
kits). O problema é que a pós-verdade é como a comichão, surge logo outra:
"Prendo-a de imediato", disse Trump sobre a Hillary. E vem a seguir
uma pós-verdade mais nítida: "Afinal já não a prendo." Tudo é enorme,
nada é categórico. E nós deslizamos, deslizamos...
Ferreira
Fernandes no Diário de Notícias
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