Faz pouco mais de um mês que faleceu Paul
Siebel. Tinha 84 anos e levou-o a sequela de uma fibrose pulmonar.
Por cá não vi a notícia em lado nenhum, nem
sequer nos suplementos ditos “culturais” dos principais jornais.
Nos Estados Unidos, seu país natal, deve
ter sucedido o mesmo, embora eu esteja esperançado que alguma das chamadas
“revistas da especialidade” lhe dedique um ou dois parágrafos de despedida e de
agradecimento, porque ele merece.
Mas não é de estranhar tanto esquecimento…
A morte do Paul Siebel que fazia pão num
restaurante de província, do Paul Siebel que construía barquinhos de madeira
para vender aos turistas, ou do Paul Siebel modesto empregado camarário numa
cidadezinha do Maryland não é notícia.
E Paul Siebel, o “folksinger” que, por
breves momentos, atingiu a ribalta no início dos anos 70 do século passado,
esse já tinha morrido há quase 50 anos.
Se Paul Siebel não tivesse nascido com o
dom de compor e de cantar, não se poderia afirmar, em boa verdade, que a “Folk
Music” teria ficado muito mais pobre.
Mas eu sim…
É que Paul Siebel foi o autor de “Louise”,
uma das canções de que mais gosto e que, por ironia do destino, transportava
comigo no carro e tinha acabado de ouvir várias vezes, na precisa altura em
que, por mera coincidência, tomei conhecimento da sua morte.
Mas já lá iremos…
Como tantos outros desse tempo, Paul Siebel
deu nas vistas quando, no final dos anos 60, atuava nos bares “folk” de Greenwich
Village. Foi aí que chamou a atenção de alguém a quem poderemos acusar de tudo
menos de não ter “dedo” para descobrir novos talentos na “Folk Music”: Jac
Holzman, o todo-poderoso patrão da Elektra Records, talvez a editora mais
importante e influente do seu tempo nesse género musical (entre tantos outros,
lançou Tom Paxton, Judy Collins, Judy Henske, Phil Ochs, Tom Rush, Tim
Buckley…)
A Elektra propôs a Siebel a gravação de um
álbum, embora lhe tivesse proporcionado parcas condições para isso: apenas
quatro sessões de gravação de 3 horas cada uma. Siebel reuniu alguns músicos
amigos, à cabeça dos quais David Bromberg, e cumpriu as suas obrigações
contratuais. O LP daí resultante, “Woodsmoke and Oranges”, foi lançado em 1970
e considerado um “marco histórico” pela influente revista “Rolling Stone”. Da
noite para o dia, Siebel atingia o estrelato na “Folk Music”.
Mas Paul Siebel fugia da ribalta e não
tinha muita paciência para se promover. Fugia dos jornalistas, fugia das ações
publicitárias, recusava-se a fazer atuações ao vivo de enfiada, umas atrás das
outras, e o resultado foi que o êxito da crítica não foi acompanhado por
idêntico sucesso comercial.
No ano seguinte, com melhores condições de
produção, sairia “Jack-Knife Gypsy”, que não repetiria o êxito da critica do
anterior e venderia ainda menos.
Foi o fim da curta carreira de Paul Siebel.
Não sei se ele não terá previsto isso mesmo, porque também não sei por que raio
lhe passou pela cabeça fazer-se fotografar num cemitério decadente e colocar a
fotografia na contracapa desse seu segundo e último LP.
A musa recusou-se a voltar a dar-lhe a mão.
Caiu em depressão e depois mergulhou nas
drogas, no que era um fenómeno corrente naquela época.
Não voltou a gravar mais nenhum álbum de
originais e a única gravação sua que se conhece é de 1978 e foi feita “ao vivo”
num bar de Santa Mónica, com a participação de David Bromberg e de Gary White,
dois dos amigos que o acompanharam na gravação do lendário primeiro disco. Isto
se não contarmos com uma esporádica participação (uma única música) num dos
três célebres álbuns de “Woodstock Mountains – Music From Mud Acres” gravados
em meados dos anos 70 e que em Lisboa podiam ser encontrados na saudosa Dargil.
A partir daí Paul Siebel esfumou-se, largou de vez a música e fez o que lhe veio à mão para sobreviver, como é o caso dos trabalhos que acima mencionei.
Mas vamos lá então a “Louise”, que faz
parte do seu primeiro disco.
Já sabemos que na “Folk Music” existem
canções dedicadas a tudo: aos pais, às mães, aos animais de estimação, a
figuras célebres da Política e da História da América, sendo eles verdadeiros
heróis ou até meros “outlaws” que a lenda transformou em heróis, a começar em
Jesse James e a acabar em Pretty Boy Floyd.
Mas também existem belíssimas canções
dedicadas aos “zés-ninguém”, aos que vivem na miséria, aos deserdados do grande
“sonho americano”.
“Louise” é uma dessas canções e deixo-vos lá a “letra”, para que a possam perceber:
“Well they all said Louise was not half
bad
It was written on the walls and window shades
And how she'd act the little girl
A deceiver, don't believe her that's her trade
Sometimes a bottle of perfume,
Flowers and maybe some lace
Men brought Louise ten cent trinkets
Their intentions were easily traced
Yes and everybody knew at times she cried
But women like Louise they get by
Well everybody thought it kind of sad
When they found Louise in her room
They'd always put her down below their kind
Still some cried when she died this afternoon
Louise rode home on the mail train
Somewhere to the south I heard it said
Too bad it ended so ugly,
Too bad she had to go this way
Ah but the wind is blowing cold tonight
So good night Louise, good nigh”
Afinal, quem é Louise…?
Paul Siebel terá desfeito o mistério ao
afirmar, uma vez, que se trataria de uma “truck-stop whore” que
encontrou no Kentucky. Mas a letra é tão dúbia que poderia muito bem ser outra
coisa… Por exemplo, uma empregadita de um snack-bar à beira da estrada, como as
vimos tantas no cinema americano, que pusesse em cada encontro amoroso toda a
sua fé e esperança de que seria essa a grande oportunidade de alcançar essa
coisa que não se sabe muito bem o que é, mas a que chamam Felicidade, com letra
grande e tudo…
E, afinal, de que morreu Louise…?
Tudo poderemos imaginar, mas também nada
ficaremos a saber…
Ter-se-á suicidado…?
Terá sido morta por ocasião de um desses
encontros amorosos…?
Terá sofrido um ataque cardíaco
fulminante…?
O narrador que nos conta toda a história
nada nos esclarece e só nos lança a confusão.
Tanto nos diz que Louise morreu naquela
tarde, como nos conta que ela já vai num caixão a caminho do Sul.
Tanto nos dá a entender ter conhecido
Louise, como nos leva a perceber que tudo o que nos conta foi de ter ouvido
alguém contar
Pouco importa, porém… É esse o
fascínio da canção.
Tal como a nossa Amélia, que Joaquim Pessoa
confessou ter sido uma muito jovem prostituta que uma vez encontrou lá para as
bandas do Liceu Camões, imagino que também Louise teria os olhos doces, que os
seus sonhos a traziam grávida de esperanças e que, também ela, não teve direito
a viver.
E se Paul Siebel, apesar de bom escritor de
canções, não tem a veia poética de Joaquim Pessoa, tem uma escrita muito mais
cinematográfica.
Sempre que oiço esta música (e já a ouvi
centenas de vezes…) consigo ver tudo, como se estivesse ali mesmo ao lado a
espreitar
Vejo uma garezinha de província perdida no
meio de nenhures.
Vejo um caixão feito de meia dúzia de
tábuas baratas a ser colocado no vagão das mercadorias.
Ouço o apitar do comboio, vejo-o partir e
vejo-o desaparecer lá ao fundo, no fio do horizonte.
E o vento da canção, esse sinto-lhe o frio
no meu próprio corpo…
Que mais se pode pedir a uma canção…?
Obrigado e “good night” Paul Siebel,
“good night”…
Desculpem a maçada,
mas foi a forma que encontrei para prestar a minha modesta homenagem a Paul
Siebel e fiquem com duas versões de “Louise”: a original e uma outra de Ian
Mathews com os “Plainsong”, de que gosto muito, embora a voz calorosa de
Mathews tenha o dom de adoçar a mais trágica das histórias…
COLABORAÇÃO DE LUÍS MIGUEL MIRA
3 comentários:
Mais um excelente post (todo) - uma maravilha!
Obrigado caríssimos Sammy e Luís Miguel Mira.
Confesso que não conhecia Paul Siebel.
Obrigado pelo incentivo, Seve!
Um abraço.
Luís Mira
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