Dito já que começaram as iniciativas que visam registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um parágrafo, aquilo que constituem os milhares de sublinhados que, ao longo dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam a Biblioteca da Casa.
E se os Sublinhados Saramaguianos, hoje, se detivessem no
Saramago poeta, que uns tantos terão esquecido que ele foi, que poeta
possível foi assim que o conheci e passei a admirar?
O poema chama-se Inventário, um lindissimo poema, está na página 145 da 1ª
edição de Os Poemas Possiveis, o
sublinhado é o final do poema:
«Que perfume te anuncia quando vens
Cercar-me de desejo a horas mortas».
Inventário
De que sedas se
fizeram os teus dedos,
De que marfim as
tuas coxas lisas,
De que alturas
chegou ao teu andar
A graça de camurça
com que pisas.
De que amoras
maduras se espremeu
O gosto acidulado
do teu seio,
De que Índias o
bambu da tua cinta,
O oiro dos teus
olhos, donde veio.
A que balanço de
onda vais buscar
A linha sinuosa
dos quadris,
Onde nasce a
frescura dessa fonte
Que sai da tua
boca quando ris.
De que bosques
marinhos se soltou
A folha de coral
das tuas portas,
Que perfume te
anuncia quando vens
Cercar-me de desejo a horas mortas.«
Legenda: pintura de François-Marie Firmin-Girard
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