Poderão dizer que é uma questão de sorte. Não tenho qualquer problema em admitir que sim. Mas depois há sempre mais qualquer coisa e a sorte transforma-se em outras coisas: conhecer, ter vontade de saber mais qualquer coisinha para chegar à grande luz, à enorme revelação.
Num jornal, que
poderei admitir que tenha sido no JL,
li o poema Esplanada de Manuel
António Pina.
Não conhecia o autor
e aquele foi o primeiro poema que li.
E gostei de uma
maneira a que não posso chamar outra coisa senão deslumbra- mento.
De uma forma simples,
tão simples que até arrepia, estava ali, o relógio dum tempo, seja esse tempo o
que for, de quem for. Ali esparramava-se o que foi o passado de uma geração,
depois o surgir de uma ilusão, talvez diversas ilusões.
Por onde é que eu
andara que este tipo passou completamente ao meu lado?
O Pina nasceu em
1943, eu nasci dois anos depois.
Se há poemas
perfeitos este é um deles.
Doze linhas de versos encaixados num olhar da esplanada seja ela qual for:
Naquele tempo falavas muito de perfeição,
da prosa dos versos irregulares
onde cantam os sentimentos irregulares.
Envelhecemos todos, tu, eu e a discussão,
agora lês saramagos & coisas assim
e eu já não fico a ouvir-te como antigamente
olhando as tuas pernas que subiam lentamente
até um sítio escuro dentro de mim.
O café agora é um banco, tu professora de liceu;
Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.
Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes,
e não caminhos por andar como dantes.
Quando então li o
poema, que faz parte do livro Um Sítio
Onde Pousar a Cabeça, editado em 1991, tenho a vaga ideia de ter lido o
poema durante o ano de 2009, ficaram estas palavras chaves faróis de um tempo,
que assim, ou de outro modo, uma geração viveu.
envelhecemos todos, agora lês saramagos e coisas assim, já não fico a ouvir-te como antigamente olhando as tuas pernas que subiam lentamente até um sítio escuro dentro de mim, o café é um banco, Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu, agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes, e não caminhos por andar como dantes.
Andei em demanda do livro, que é o seu sexto volume de poesia, mas nunca o encontrei. Tratou-se de uma pequena edição de um pequeno livro, em edição do autor e fora do mercado. Fui ficando com o recorte colado numa folha A4 e só em Outubro de 2001, quando o Pina publicou Poesia Reunida a que passei a ficar com o poema fazendo parte de um livro.
Mais ou menos por este tempo, recordo-me de ter lido uma frase do Manuel António Pina que nunca esqueci: «adultos que não souberam honrar os jovens que foram».
A frase do Pina era endereçado aos que em tempos defenderam ideias e ideais que depois mandaram para as urtigas.
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