segunda-feira, 16 de maio de 2022

OLHAR AS CAPAS


Mil e Outras Noites

Uma Antologia

Eduardo Guerra Carneiro

Selecção de Miguel Filipe Mochila

Prefácio e Posfácio de Vitor Silva Tavares

Capa: a partir de pintura de Hieronymus Bosh

Língua Morta, Lisboa, Maio de 2018

 

Na ampla praça há apenas plátanos.
Nem crianças a correm de tão fria,
nem estátuas a comovem bronzeadas.
Das margens secas, com ilhas e outras casas,
janelas, se as há, são quase setas.
O frio perfurou tábuas e latas.
Um vento seco corta junto aos olhos.

O espaço é recomposto agora mesmo: na praça
estou na sombra dos plátanos
e tudo vejo com vontade e amor.
Mas não chega a presença ou a vontade.
Outros não chegam, ou aparecem apressados.
Nomes se referem. Desenha-se um olhar.
Apenas gesto, memória, sombra rara.

Envolvo-me na praça. Os plátanos cobrem-me.
Das margens sempre vem algum calor.
Renascem os olhos. Os plátanos movem-se.
As casas iluminam-se. Um grito
cobre a sombra e assim anima
a ampla solidão de todos nós.


Poema de Eduardo Guerra Carneiro do livro Algumas Palavras

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