terça-feira, 3 de maio de 2022

TAMBÉM NÃO ENTENDO AQUILO QUE ESCREVO

Ainda não tenho todos os livros de poesia do Manuel António Pina.

Remediei alguma coisa adquirindo os livros de Poesia Reunida.

Mas lendo «Para Quê Tudo Isto?» entendi comprar «Poesia, Saudade da Prosa» uma antologia organizada pelo próprio Manuel António Pina e isso tem um significado pois permite concluir, se daí alguma coisa se pode concluir, o tentar compreender das razões por que Pina escolheu estes poemas. Sabendo nós que a poesia está para acabar:

«A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
- Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? –»

Os poemas de Manuel António Pina não são fáceis. Nestes poemas colocados por Pina, lá aparece a infância, «onde só se chega vindo de muito longe», amargas tristezas, o caminho de casa, sempre e depois aquele desejo de apenas encontrar um sítio onde pousar a cabeça.

E há o caso, contado por Álvaro Magalhães na biografia do poeta «de uma professora da Escola Secundária Maria Lamas, no Porto, que foi aconselhada a dar a poesia dele nas suas aulas e se recusou a fazê-lo porque «não a entendia». (Como poderia ela ensinar o que não sabia. Dava, pois, outras poesias, que estava convencida que entendia (e se entendia mesmo, coitadas delas, das poesias). Quando alguém contou ao poeta este episódio, ele respondeu: «É natural, eu também não entendo aquilo que escrevo.»

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