Há 100 anos era proclamada a República.
A vigência da primeira República Portuguesa correspondeu ao período compreendido entre 5 de Outubro de 1910 e 28 de Maio de 1926.
Jacinto Baptista no seu livro “O Cinco de Outubro”, Editora Arcádia, Outubro de 1964:
“Glorioso e, acaso, dos mais intensos e felizes do nosso povo, em toda a sua história, foi – então no consenso de muitos, e ainda hoje no de alguns – o dia 5 de Outubro de 1910, a data da implantação da República em Portugal, a memorável jornada que, logo após, “O Mundo”, em extasiado alvoroço, julgou ter inaugurado, definitivamente, para os Portugueses, “uma era de paz, de prosperidade e de justiça”.
Paz, prosperidade, justiça: estas eufóricas e confiantes palavras do jornal de França Borges, desdobradas a toda a largura da primeira página do combativo órgão da propaganda republicana e arauto da revolução triunfante, reflectiam – e alimentavam, também – as ilusões de muitos. Despertam elas, hoje, em nós, mais do que um melancólico sorriso?
“Que ventura ideal me inunda o coração!” – exclama, numa fantasia dramática alusiva à instauração do novo regime, a “Liberdade”, quando em voluptuosa expansão, se entrega a Portugal.
“Hoje sou tua emfim!... Aperta-me nos braços!” – acrescenta; e o pano, prematuramente, desce.”
José Saramago no seu “Levantado do Chão”:
“Então chegou a república. Ganhavam os homens doze ou treze vinténs, e as mulheres menos de metade, como de costume. Comiam ambos o mesmo pão de bagaço, os mesmos farrapos de couve, os mesmos talos. A república veio despachada de Lisboa, andou de terra em terra pelo telégrafo, se o havia, recomendou-se pela imprensa, se a sabiam ler, pelo passar de boca em boca, que sempre foi o mais fácil. O trono caíra, o altar dizia que por ora não era este reino o seu mundo, o latifúndio percebeu tudo e deixou-se estar, e um litro de azeite custava mais de dois mil réis, dez vezes a jorna de um homem.
Viva a república, Viva. Patrão, quanto é o jornal agora, Deixa ver, o que os outros pagarem, pago eu também, fala com o feitor, Então quanto é o jornal, Mais um vintém, Não chega para a minha necessidade, Se não quiseres, mais fica, não falta quem queira, Ai minha santa mãe, que um homem vai rebentar de tanta fome, e os filhos, que dou eu aos filhos, Põe-nos a trabalhar, E se não há trabalho, Não faças tantos, Mulher, manda os filhos à lenha e as filhas ao rabisco da palha, e vem-te deitar, Sou a escrava do senhor, faça-se em mim a sua vontade, e feita está, homem, eis-me grávida, pejada, prenhe, vou ter um filho, vais ser pai, não tive sinais, Não faz mal, onde não comem sete, não comem oito.
Viva a república, Viva. Por todas as herdades corria um vento mau de insurreição, um rosnar de lobo acuado e faminto que grande dano lhe causaria se viesse a transformar-se em exercício de dentes. Havia pois que dar um exemplo, uma lição.
Já lá vai adiante o esquadrão da guarda, amorosa filha desta república, ainda os cavalos tremem e a espuma fica pelo ar em flocos repartida, e agora passa-se à segunda fase do plano da batalha, é ir por montes e montados em rusga e caça aos trabalhadores que andam incitando os outros à rebelião e à greve, deixando os trabalhadores agrícolas parados e o gado sem pastores, e assim foram presos trinta e três deles, com os principais instigadores, que deram entrada nas prisões militares. Assim os levaram, como a récua de burros albardados de açoites, pancadas e dichotes vários, filhos da puta, vê lá onde é que vais dar com os cornos, viva a guarda da república, viva a república da guarda."
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