segunda-feira, 17 de maio de 2010
LAICISMO
Agora que a poeira papal começa a assentar, será bom lembrar duas ou três coisas.
A Constituição de Portugal consagra a liberdade de religião.
A Lei de Liberdade religiosa datada de 2001 determina, no seu artigo 4º, que o “Estado não adopta qualquer religião, nem se pronuncia sobre questões religiosas”. O estado é laico e nenhuma religião pode ter privilégios.
Sou defensor da liberdade religiosa, entendo mesmo que é algo que apenas diz respeito ao foro pessoal de cada um.
Gostaria que respeitassem a minha liberdade de não ter religião Não acontece.
Num país em crise, o dinheiro que se gastou com a visita do Papa (não conheço valores mas devem ser elevados), é um escândalo.
Não gosto que um Papa visite o meu país e a primeira coisa que lhe ocorre é lembrar o Cardeal Cerejeira que, juntamente com Salazar e Caetano, protagonizaram um dos períodos mais tristes e negros da nossa história. Convém não esquecer que a Igreja, sempre esteve com a ditadura e, com o seu silêncio, foi cúmplice das prepotências e crimes cometidos.
Nunca esquece Fátima mas fez por ignorar uma guerra colonial.
A propósito do laicismo do estado, lembrei-me de um importante livro de António José Saraiva, publicado em Dezembro de 1960, e de imediato apreendido pela PIDE.
O livro chama-se Dicionário Crítico de Algumas Ideias e Palavras Correntes.
Na página 163 e seguintes, o autor define “laicismo”:
Na República Romana e nos primeiros tempos do Império, não houve o problema do Sacerdócio e do Império, que subsiste em nossos dias com o nome de problema da Igreja e do Estado. (…)
Mesmo depois de oficializado como religião do Império, o Cristianismo não passou a ser culto único. Verficaram-se até tentativas para repor no lugar os velhos cultos suplantados.(…)
Havia muito caminho andado quando a Revolução Francesa instituiu o Estado Laico. Importa entendermo-nos sobre esta expressão “laico” e derivadas. “Laico” não quer dizer “ateu”. Há Estados e até religiões ateias. Mas não é esse o caso dos numerosos Estados que seguiram nas relações com o culto o paradigma do Estado francês pós-revolucionário. “Estado laico” é aquele que considera como assunto privado o culto e as opiniões religiosas dos cidadãos. Melhor do que “ateu”, a palavra “tolerante” caracteriza a expressão “laico” quando referida a Estado. Mas, na medida em que estabelece a igualdade dos cidadãos perante a lei, destrói os privilégios feudais, centraliza e unifica a autoridade, o novo Estado torna impossível a dualidade de poderes. Dentro do Estado laico, a Igreja deixa de ser um poder, uma entidade com jurisdição, autoridade pública, direito a cobrar impostos, etc. Deixa de haver dualismo, não porque o poder civil absorvesse o poder eclesiástico, mas porque deixou de haver poder eclesiástico, porque as questões religiosas passaram a ser assunto privado, porque existe uma única jurisdição aplicável a todos os cidadãos.Em resultado desta evolução, resumidamente exposta, o Estado laico, isto é, o Estado que reconhece por igual a cada um dos cidadãos o direito a praticar o seu culto, sem reconhecer a qualquer deles privilégios particulares, tornou-se, durante o século passado e o presente, uma das feições mais características da chamada “civilização ocidental”. E com ela o “laicismo”, isto é, aquela concepção segundo a qual a religião é assunto de foro íntimo, próprio do mundo inviolável da consciência.
"Dicionário Crítico de Algumas Ideias e Palavras Correntes" de António José Saraiva, "Publicações Europa América", Lisboa, Dezembro de 1060
Etiquetas:
António José Saraiva,
Guerra Colonial,
Igreja,
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