sexta-feira, 7 de maio de 2010

ONDE É QUE ESTAVAS NO 25 DE ABRIL?

Depois da tentativa de levantamento militar, a 16 de Março, de tropas do Regimento de Infantaria 5 das Caldas da Rainha, sentia-se qualquer coisa no ar.

Apesar da preparação do 25 de Abril mostrar, aqui e ali, algo de amadorismo, laivos de alguma leviandade com reuniões a céu descoberto, em bancos de jardim, à porta de cafés e cinemas, poucos sabiam do que estava e marcha

Clara Ferreira Alves, num “Expresso” de Fevereiro do ano 2000 escreveu:

“Não me lembro muito bem do que estava a fazer no dia 25 de Abril, mas lembro-me de que foi o dia em que o medo passou para o outro lado, em que o medo mudou de lugar. E desapareceu de vez”.


O país dormia quando os militares saíram dos quartéis e grande parte dos portugueses souberam, pelo telefone, o que estava a acontecer.

Fernando Venâncio escreveu um artigo no velho “JL” que intitulou Está uma revolução ao telefone.

José Saramago em “Manual de Pintura e Caligrafia”:

“Dormíamos em minha casa, M. e eu, quando o Chico, noctívago, telefonou, aos gritos que ouvíssemos a rádio.”


José Gomes Ferreira em “A Revolução Necessárai”:

“Manhãzinha cedo, senti acordar-me o sopro da voz ciciada de minha mulher:
-O Fafe telefonou de Cascais… Lisboa está cercada por tropas…”


José-Augusto França em “Memórias para o Ano 2000”:

“Minutos antes das sete horas daquele dia de Abril de 1974, o telefone acordou-me: era minha mãe, aflita e em voz baixa, como se fosse um terrível segredo, a dizer-me que havia uma revolução.

José Cardoso Pires em “Alexandra Alpha”:

“Era a Mana a segredar-lhe que fosse ouvir o rádio, ao rádio já, imediatamente, a tropa estava na rua, era a Revolução.”


Bapatista-Bastos em artigo, publicado no “Diário Popular”, conta:

“Começara às 3 horas da manhã quando Abel Pereira, então subchefe da redacção, me telefonou a dizer: “Salta da cama, Bastos, agora é que é a sério! A revolução está na rua.”

Foi também pelo telefone que, aqui em casa, se soube do que estava a acontecer. Madrugadora, que sempre foi, a Clementina informava e deixava o aviso solene: “Não saiam de casa!”

Deixemos os telefones e passemos a outros registos


Vergílio Ferreira escreveu assim no seu “Conta Corrente”

«Vitória. Embrulha­‑se­‑me o pensar. Não sei o que dizer. Uma emoção violentíssima. Como é possível? Quase cinquenta anos de fascismo, a vida inteira deformada pelo medo. A Polícia. A Censura. Vai acabar a guerra. Vai acabar a PIDE. Tudo isto é fantástico. Vou serenar para reflectir. Tudo isto é excessivo para a minha capacidade de pensar e sentir.»
Miguel Torga no seu “Diário”:
“Golpe militar. Assim eu acreditasse nos militares. Foram eles que, durante os últimos macerados cinquenta anos pátrios, nos prenderam, nos censuraram, nos apreenderam e asseguraram com as baionetas o poder à tirania, Quem poderá esquecê-lo? Mas pronto: de qualquer maneira, é um passo. Oxalá não seja duradoiramente de parada”


O privilégio de ter vivido o dia 25 de Abril de 1974, os dias que se seguiram. Muita água haveria de passar por debaixo das pontes, continua a passar, mas aqueles dias ninguém mos tira.

Um tempo como este que todos deveriam viver uma vez na vida.

Jorge de Sena disse que não haveria de morrer sem saber qual a cor da liberdade:

“Nunca pensei viver para ver isto:
a liberdade – (e as promessas de liberdade)
restauradas. Não, na verdade, eu não pensava
- no negro desespero sem esperança viva -
que isto acontecesse realmente. Aconteceu.
E agora, meu general?

Tantos morreram de opressão ou de amargura,

tantos se exilaram ou foram exilados,
tantos viveram um dia-a-dia cínico e magoado,
tantos se calaram, tantos deixaram de escrever,
tantos desaprenderam que a liberdade existe-
E agora, povo português?

Essas promessas – há que fazer depressa

que o povo as entenda, creia mais em si mesmo
do que nelas, porque elas só nele se realizam
e por ele. Há que, por todos os meios,
abrir as portas e as janelas cerradas quase cinquenta anos -
E agora, meu general?

E tu povo, em nome de quem sempre se falou,

ouvir-se-á a tua voz firme por sobre os clamores
com que saúdas as promessas de liberdade ?
Tomarás nas tuas mãos, com serenidade e coragem,
aquilo que, numa hora única, te prometem ?
E agora, povo português?”

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