sábado, 28 de julho de 2012

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?


O principio de tudo num velho disco de 78 rpm que o meu pai comprou.

Anton Karars, mais a sua cítara, a tocar o tema do filme O Terceiro Homem.

Tinha visto o filme com o meu avô e ambos ficaram encantados com a música.

Tinha para aí 9 anos e a música, de tanto rodada no gira-discos, o que eu gosto desta palavra e tudo o que a envolve, ficou-me também no ouvido.

Só muito mais tarde vi o filme de Carol Reed e encontra-se na minha lista de filmes negros preferidos, longa lista diga-se.

Dizem as más-línguas que o filme tem mais de Orson Welles do que Carol Reed, mas isso já são contas de outro rosário.

Todo o filme está pontuado pelo tema musical e quase se poderá pensar que o filme foi feito para aquela música, filme que ainda tem Orson Welles Josephh Cotten, Alida Valli, os olhos mais verdes que já vi, uma testa altíssima, uma boca sôfrega, perfil suavíssimo e um corpo que, sem ser vistoso ou agressivamente sensual, tinha as proporções feitas para a sedução, e aquele final de filme, um dos muitos grandes finais que o cinema já nos deu.





Altiva e orgulhosa, Alida Valli deixa o cemitério de Salzburgo e caminha estrada fora, indiferente à boleia que Joseph Cotten lhe oferece. Em fundo ouve-se a cítara de Anton Karas, até Alina Valli se perder, sublimemente, na linha do horizonte.

Percebo que a imagem só se moveu, ou seja, só houve cinema, para nos dar movimentos desses e mulheres assim, para voltar a citar João Bénard da Costa.

Em Itália, Alida Valli, manteve suspensa a sua carreira por se recusar a aparecer naquilo que, no seu lúcido entender, considerava ser propaganda fascista.

Orson Welles deixou escrito: Não penso no que ficará de mim, nem isso me importa. Creio que é tão vulgar trabalhar para a posteridade como por dinheiro.

Quando no seu Muito Lá de Casa, João Bénard da Costa, chama à boca de cena Alida Valli, o título que escolhe é: Condessa Alida Livia Valli Serpieri e começa assim:

Disse Proust que nunca se deve desejar demasiado ardentemente qualquer coisa. Porque a alancaremos, mas tarde demais.

Apaixonei-me por Alida Valli quando me curei da minha paixão por Esther Wulliams. Por muito estranho que pareça, assim foi. E foi a segunda vez (a terceira, se incluir inconsciências de que só muito mais tarde tive consciência) que mulher foi melhor e que nela todo inteiro me despenhei. O meu desejo era tão mais ardente quanto mais se assumia por impossível. Saciá-lo era pecado contra o meu espírito e a natureza dela. Nessa altura, não sonhava transgredir tanto. Era novo de mais na terra e na carne. Se um duende, maligno ou benigno, me viesse profetizar que um dia lha seguraria o pulso e lhe fecharia os olhos, respondia-lhes que não abusasse da minha tendência para excessos imaginativos. E se o dito espírito acrescentasse que isso só não aconteceria por recusa ou incompetência minha, mais nomes violentos lhe teria chamado.

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